quinta-feira, 17 de agosto de 2017

E a primavera, quando vai chegar?

O inverno está chegando!

Essa frase, que soa em tom de alerta, é recorrente nos livros que compõem As crônicas de Gelo e Fogo, de autoria do romancista estadunidense George R. R. Martin, e que inspiraram a série Game of Thrones.

Nos Sete Reinos de Westeros, o mundo medieval fictício criado por Martin, as estações não começam e terminam sempre na mesma data, como ocorre na Terra. Os verões e os invernos têm durações imprevisíveis, podendo se prolongar por até uma década.

Na trama, afetados por guerras e rebeliões durante o extenso verão, os Sete Reinos não estão devidamente preparados para as agruras do inverno que se aproxima e é reiteradamente anunciado pelo lema da casa Stark, os suseranos de Winterfell: o inverno está chegando.

Enfrentar um inverno rigoroso e prolongado é passar por uma prova de fogo. Ou melhor, de gelo. As plantações morrem, os alimentos escasseiam, a fome e o frio ceifam vidas. Numa entrevista recente, o autor d'As Crônicas de Gelo e Fogo chegou a afirmar que o inverno "é a época onde as coisas morrem, e o gelo, frio e escuridão dominam o mundo".

Nosso inverno não é assim tão rigoroso. Por aqui a temperatura cai um pouco em alguns poucos dias do ano, ressecando nossa pele, estimulando o apetite, trazendo sonolência, aumentando a diurese, provocando dores musculares... Quando o frio nos pega desprevenidos, os pelos ficam arrepiados, a tremedeira se instala, batemos o queixo e rangemos os dentes. Nada, porém, que não se resolva com um bom agasalho, uma manta ou um cobertor.

Dizem que o inverno também afeta nosso humor, nos deixa tristes. Não me sinto tão afetado nesse aspecto. Pelo menos não percebo. Só fico irritado por ser obrigado a levantar e sair para o trabalho com o "dia" ainda escuro, a lua alta, as estrelas cintilando no céu. Mas até isso passa quando o sol nascente tinge as nuvens de carmesim.

Se para muitos a paisagem invernal é melancólica, para mim tem seus encantos, com o céu tingido de cinza e as árvores nuas, as folhas secas esvoaçando pelo chão. Não fosse o frio intenso até me arriscaria a esperar pela neve nas serras gaúcha e catarinense.

Esse inverno não me preocupa. O que me inquieta, me enfurece até, é outro inverno. É aquele que se abateu sobre nosso país, trazendo uma longa e escura noite. Embora de outra natureza, esse inverno também mexeu com nosso humor, disseminou ódio e instaurou o reinado da tristeza, da insegurança e do medo. Também trouxe fome e frio. E está ceifando vidas. A primeira vítima fatal, como bem sabemos, foi a democracia.

Esse inverno indesejado já durou bastante e só tem piorado a cada dia, trazendo nuvens tenebrosas sobre o céu costumeiramente anil do Brasil. E temo que se prolongue além do que nossa fragilidade humana possa suportar. Temo que se torne um inverno tão surreal quanto o de Westeros e se estenda por décadas sem fim. Temo que a noite escura se alongue muito e congele os corações e as consciências.

Por isso, anseio pela chegada da primavera com o sol quente e radiante, com a diversidade de cores e flores. Por ora, vou alimentando a esperança, da qual fala Victor Hugo, romancista francês do século 19: "o inverno cobre minha cabeça, mas uma eterna primavera vive em meu coração". E confiando na profecia atribuída a Che Guevara: "podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera".