“As prostitutas vos precederão no Reino de Deus”
(Jesus
Cristo, in Mt 21, 31)
Religião não se discute. Cresci ouvindo esse bordão. Até de quem se diz sem religião. Mas creio ser a religião um dos temas mais debatidos em todos os tempos. E não apenas pelos teólogos. Personalidades que inscreveram seus nomes na história da política, da filosofia, das ciências, das artes expressaram reflexões provocadoras e inquietantes sobre o assunto, em linhas às vezes convergentes, em outras paralelas, sem pontos em comum.
Talvez a frase do filósofo alemão Karl Marx, “a religião é ópio do povo”, seja a mais conhecida e usada. Embora em campo radicalmente oposto, o imperador francês Napoleão Bonaparte convergiu com Marx ao afirmar que “religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos”, talvez porque, pensando como o escritor francês Stendhal, “todas as religiões são fundadas sobre o temor de muitos e a esperteza de poucos”. O matemático e filósofo inglês Thomas Hobbes até especula sobre tais temores, atribuindo-os aos “poderes invisíveis, inventados ou imaginados a partir de relatos”.
Tais posições, entretanto, não são unânimes. Para o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi “uma vida sem religião é como um barco sem leme”. Adepto do hinduísmo, Gandhi chegou a admitir a possibilidade de tornar-se cristão “se os cristãos o fossem vinte e quatro horas por dia”.
De minha parte, penso que religião de fato não se discute. Pratica-se. Cônscio de sua limitação e finitude, o homem busca na prática religiosa, no encontro com o Absoluto, princípio e autor da vida, a possibilidade de viver eterna e plenamente. Fatos recentes, porém, me puxaram para esse debate.
Tempos atrás não consegui me conter e publiquei um comentário sobre a troca de ofensas entre um conhecido jornalista e um desses pastores midiáticos, motivada pela performance da atriz transexual Viviany Beleboni na Parada Gay da capital paulista. Mesmo considerando deselegante e inadequada a resposta do jornalista ao pastor, destaquei que não havia nada de cristão na atitude de quem, em sua pregação, incita o ódio, a violência, o preconceito e a discriminação.
Bastou tal comentário para ser acusado, ainda que de forma velada, de cristofobia. Eu, cristão, cristofóbico? É, pode ser!
Thomas Merton, monge trapista do século 20, dizia que “todo homem se torna imagem do deus que adora”. Escolhi adorar o Deus da vida revelado ao mundo em Jesus. Não um Jesus qualquer, mas aquele Jesus histórico que encarnou a vida, as dores e o sofrimento de seu povo. Que teve (com)paixão, se aproximou e caminhou com aqueles que todos evitavam, os excluídos e marginalizados pela sociedade de então: as mulheres, inclusive as prostitutas, os publicanos, os pobres, os famintos, os deficientes, os enfermos, em especial os leprosos.
Aquele Jesus que não orientou sua vida por leis, normas ou regras, mas tão somente pelo amor. Amor incondicional consubstanciado no perdão sem limites, na tolerância e respeito às diversidades de gênero, religião, raça e classe, no serviço alegre e humanizante, no doar-se integralmente ao próximo. O Jesus que, assim vivendo, questionou de forma contundente os fundamentos de um sistema social opressor, violento, excludente e atentatório contra a vida.
O Jesus Cristo que, por assim viver, não morreu velhinho nem doente sobre uma cama, mas ainda jovem foi barbaramente torturado e assassinado, que sangrou até a exaustão numa cruz, condenado pelos donos do poder com apoio de uma turba insana. Aliás, uma turba muito parecida com certos cristãos que hoje clamam pela pena de morte e a redução da maioridade penal, que se regozijam com a desgraça alheia e que disseminam ódio e intolerância.
Certamente o cristo dessa turba é outro, pintado conforme os interesses e as conveniências de cada igrejola ou cada “fiel”. A esse pseudo cristianismo, de fato, tenho aversão.
(Publicado originalmente no Varal de Notícias em 08/07/2015)
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