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"Non ducor, duco", expressão da prepotência e arrogância da elite branca paulista |
As ilustrações dos livros e as explicações das professoras me apresentaram os bandeirantes como destemidos heróis, valentes desbravadores do sertão que, partindo de São Paulo, se embrenhavam pelas matas conquistando territórios, alargando fronteiras, construindo um futuro pujante para o Brasil.
Também foi lá na escolinha “sem partido” da roça que ouvi pela primeira vez o acrônimo MMDC, iniciais de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, jovens mártires da Revolução Constitucionalista.
A morte dos quatro estudantes, no dia 23 de março de 1932, nas proximidades do Palácio dos Campos Elíseos, na capital Paulista, foi o estopim para a revolta armada explodir no dia 9 de julho daquele mesmo ano. São Paulo, assim me ensinaram as professoras, ergueu-se contra o resto do país na luta para restabelecer a liberdade e a legalidade, através de uma Constituinte.
Foi assim, naquela escolinha rural “desideologizada” que fui, pouco a pouco, doutrinado pelo que Luis Fernando Cerri, doutor em Educação pela Unicamp, chama de ideologia da paulistanidade. Ideologia que começou a ser gestada ainda no século 18 e gradativamente foi compondo o currículo escolar, de forma explícita ou oculta, inculcando nos alunos a ideia de que o povo paulista, personificado nos bandeirantes, é “construtor das amplas fronteiras do território e mantenedor da grandeza nacional”, bem como “a mistificação de que São Paulo é o Estado mais rico porque o seu povo é o que mais se dedica ao trabalho”.
Cresci acreditando nesse mito. Alimentando a imagem de São Paulo como a locomotiva da nação, forte, impávido, arrastando os demais estados, lentos e pesados, sinônimos do atraso. Não por acaso. Essa simbologia está no lema da dita Revolução Constitucionalista, “Non ducor, duco”, expressão em latim que significa “Não sou conduzido, conduzo”.
Só muito tempo depois, quando a pluralidade de concepções e conhecimentos voltou a ocupar o ambiente escolar, já com a ditadura militar agonizando, fui descobrir que os bandeirantes nada tinham de heróis. Não passavam de mercenários. Usavam de violência extremada, saqueavam aldeias, praticavam estupros, capturavam e escravizavam indígenas e caçavam pedras preciosas.
Nessa escola que se fazia plural e reflexiva, também comecei a entender que a chamada Revolução de 32 nada tinha de revolucionário. Pelo contrário, era um movimento conservador das elites paulistas, uma tentativa de recuperar o poder tomado por Getúlio Vargas em 1930. Claramente elitista e separatista, o movimento contou com o engajamento da mídia da época, o Estadão à frente, para aliciar e insuflar as camadas populares contra o governo central.
Até 1930, os barões do café, junto com os fazendeiros produtores de leite mineiros, controlavam a economia e a política do país. Paulistas e mineiros ocupavam alternadamente a presidência da República para garantir os interesses da aristocracia café-com-leite. Em 1929, o paulista Washington Luís, deu uma rasteira nos mineiros indicando o também paulista Júlio Prestes para sucedê-lo na presidência. Um golpe! De elite contra elite, mas um golpe.
Júlio Prestes ganhou mas não levou. Nem posse tomou. Mineiros, gaúchos e paraibanos, apontando fraude nas eleições, se rebelaram e, com apoio do Exército, conduziram Vargas ao governo. Um dos vários golpes militares de nossa história republicana.
Além da perda do domínio político, a elite branca paulista passa a assistir, então, à estruturação de uma legislação trabalhista pelo governo Vargas. E começou a tramar um movimento armado para derrubar o que chamava de ditadura. Uma tentativa de golpe contra o golpe militar que barrou o outro golpe. Tudo disfarçado de defesa da democracia, da legalidade e por uma nova Constituição.
Pouco se sabe dos quatro jovens mortos naquele 23 de março de 1932. Penso que não eram muito diferente da massa elitista, preconceituosa e intolerante que ocupou as ruas da capital paulista no início deste ano, uniformizados de verde e amarelo, pedindo a volta da ditadura militar, incensando o fascista Bolsonaro, exigindo o fim do governo popular da presidenta Dilma que, em continuidade aos governos do presidente Lula, promoveram inclusão e avanço nas políticas e direitos sociais sem precedentes. Tudo isso disfarçado de defesa da democracia e de combate à corrupção.
Noutras palavras, mais um golpe! Agora contra a vontade de 54,5 milhões de brasileiros, expressa nas urnas. Mais um movimento confessadamente elitista e separatista, insuflado pela mídia golpista e patrocinado pela Fiesp. Mais uma demonstração do despeito dessa elite branca que, mesmo considerando-se a locomotiva da nação e mantendo sua influencia sobre a economia e a política nacional, não conseguiu eleger um presidente paulista desde Washington Luís.
Muitas são as rimas possíveis. Para mim, entretanto, a que mais se aplica desde sempre aos paulistas é GOLPISTA. Mais atual do que nunca.
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