quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Uma flor pela paz

O "tank man", na Praça da Paz Celestial
Tiananmen, a Praça da Paz Celestial, no centro de Pequim, foi palco de uma cena insólita no distante 5 de junho de 1989. Um jovem estudante posiciona-se de pé, sozinho, em frente a uma coluna de tanque chineses que avançam pela avenida Chang'na. O primeiro tanque da fila tenta desviar mas o homem, segurando apenas uma sacola em cada mão, repetidamente se coloca à frente e força a parada do comboio. Em seguida escala o tanque e conversa com o soldado.

O que dizer de uma pessoa desarmada enfrentando mais de uma dezena de tanques blindados? Irracional, no mínimo. Ainda mais sabendo que no dia anterior, no mesmo local, os tanques haviam esmagado veículos e pessoas que participavam dos protestos contra a repressão aos direitos individuais e as condições de vida degradadas após a abertura econômica da China.

Mais do que a ação em si, o que vale é o simbolismo que ela carrega. A imagem do jovem correu o mundo rapidamente, virou capa dos principais jornais e revistas. Até hoje sua identidade é desconhecida, tal como seu paradeiro. O que conversou com o soldado-piloto do tanque também ninguém sabe. O fato, porém, é que depois daquele 5 de junho a China abrandou a linha-dura.


Uma flor pela paz
22 anos antes, outra cena insólita havia marcado os protestos contra a guerra do Vietnã, em frente ao Pentágono, na capital estadunidense. Foi no 21 de outubro de 1967. Uma jovem estudante de 17 anos enfrenta soldados perfilados com fuzis em punho, baionetas caladas. Suas armas? Um olhar gentil e uma flor nas mãos, que tenta colocar no cano da arma de um dos soldados da Guarda Nacional.

Uma flor contra dezenas de fuzis. Aqui, como em Tiananmen, a força é do simbolismo. Da militância pela paz, da resistência pacífica, da não-violência idealizada e praticada na Índia por Mahatma Gandhi. Dessa jovem é conhecido o nome e o paradeiro. Jan Rose Kasmir, hoje com 65 anos, vive com sua família na Dinamarca.



Chico Mendes, com seringueiros, organizando um dos muitos empates
Há exemplos também no Brasil. Xapuri, município do estado do Acre, revelou ao mundo formas pacíficas de resistência. A partir de 1976, sob a liderança de Chico Mendes, famílias de seringueiros passaram a organizar os empates para enfrentar as ações de desmatamento empreendidas pelos pecuaristas. Homens, mulheres, crianças e idosos, de braços entrelaçados, colocavam-se à frente dos peões e jagunços, abraçando as árvores ou cercando os tratores, numa tentativa de convencê-los a baixarem as motosserras e conscientizá-los de que desmatando a floresta eles próprios estariam ameaçados.

Chico Mendes foi assassinado em dezembro de 1988. Até hoje, porém, seu nome simboliza a luta pela preservação das florestas e do uso sustentável de seus recursos.

Dias atrás, São Paulo também presenciou um desses atos inusitados. Aos 75 anos de idade, Eduardo Suplicy colocou-se à frente da Tropa de Choque e deitou-se no asfalto na tentativa de impedir a reintegração de posse de um terreno da Prefeitura, gesto que foi seguido pelos moradores. O ex-senador e ex-secretário de Direitos Humanos da capital foi levado pelos policiais e permaneceu detido três horas por desacato a autoridade. Seu gesto, porém, impediu violência ainda maior da PM contra os moradores que acabaram desabrigados.

Suplicy enfrenta deitado as botas da Tropa de Choque
Situações de flagrante injustiça, violência institucionalizada, opressão dos governantes contra o povo ou ameaça contra a vida, justificam os atos de desobediência civil. Se a lei não promove a justiça, seu descumprimento torna-se legítimo, contra a violação ou a ameaça aos direitos civis, políticos e sociais das pessoas.

Desobediência civil, direito de resistência... É o que nos resta hoje para enfrentar a situação de ruptura institucional que, embora revestida de legalidade e sustentada pelos que deviam zelar pela defesa do Estado Democrático de Direito, não passa de um golpe de Estado perpetrado por uma quadrilha que usurpou a Presidência da República, ameaça destruir direitos sociais e trabalhistas e entregar o patrimônio do povo brasileiro às multinacionais.

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