quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Balido submisso

“...os mais estúpidos, tais como as 
ovelhas, eram incapazes de aprender...”
(George Orwell - “A Revolução dos Bichos”)

Se pouco ou nada sei sobre cães e porcos, muito menos sobre ovelhas. Afinal, nunca tive uma. Baseada em diversas fábulas, algumas bem pueris outras geniais, a imagem que tenho desses animais é, digamos, simplória e estereotipada. Ovelhas, assim imagino, são dóceis, ingênuas, totalmente vulneráveis aos seus predadores, andam em rebanhos, dependendo sempre da voz de um pastor para orientar seu rumo. Sozinhas, sem quem as oriente, perdem-se com facilidade. Basta uma correr que as demais, desorientadas, correm atrás.


Li algum tempo atrás uma notícia de que em Istambul, na Turquia, alguns pastores deixaram o rebanho pastando à beira de um penhasco e afastaram-se um pouco para tomar seu café da manhã. Tomados de perplexidade, os pastores presenciaram uma ovelha, sem razão aparente, lançar-se ao precipício, sendo imediatamente seguida pelas outras 1500, resultando em 450 animais mortos. Só não pereceram todas porque a queda das últimas foi amortecida pela pilha de ovelhas que jazia inerte ao pé do despenhadeiro. 

Assim são as ovelhas. Volúveis, facilmente influenciáveis, “maria-vai-com-as-outras”, pra usar uma expressão bem brasileira. Comportamento bem diferente, paralelo, ao dos cães. E também ao dos porcos. Sobre esses e seus correspondentes na política, com seu característico apetite voraz, já comentei na coluna anterior, “Da lama à panela”. Faltou falar do papel das ovelhas no processo político.

No filme australiano “Babe”, as ovelhas cumprem sempre um papel secundário, de total submissão, primeiro aos cães, depois ao simpático porquinho que se esforça para ser um leitão-pastor. Não é diferente no clássico romance “A revolução dos bichos”, de George Orwell, onde a ingênua submissão das ovelhas, que beira a imbecilidade, é determinante para sufocar qualquer tentativa de questionamento ou rebelião à ditadura dos suínos liderados pelo porco-tirano Napoleão.

Um a um, os princípios da revolução dos bichos, os sete mandamentos que deveriam garantir a convivência harmônica na granja dos bichos, vão sofrendo adaptações para atender aos interesses e privilégios dos porcos. Mas as ovelhas, que sequer conseguiram decorar os sete mandamentos, além de nada questionar, suplantam todo argumento contrário a Napoleão com um balido uníssono: “quatro pernas bom, duas pernas ruim”.
Sua memória curta não permite lembrar como era a vida antes da revolução comandada por Napoleão, comparar se as condições de sobrevivência na granja estão piores ou melhores. Nem mesmo conseguem identificar se o que foi prometido, foi ou está sendo cumprido.

A metáfora de Orwell cai como luva sobre a conjuntura política da cidade. As mesmas ovelhas que antes, durante décadas, se submeteram passivamente ao jugo do granjeiro Jones, agora balem em defesa da “revolução napoleônica”. Vez por outra até ouvimos alguma voz isolada questionando o total abandono das promessas e compromissos de campanha do Napoleão local e os privilégios concedidos à sua vara de vorazes e insaciáveis suínos. 

Alguma ovelha incauta, como autêntica “maria-vai-com-as-outras”, até ensaia engrossar as críticas. Mas não demora a voltar atrás tão logo o eloquente e artificial discurso de Napoleão é propagado nas redes sociais pelos seus súditos devoradores de milho (ou milhões).

Há quem acredite que o alcaide vem perdendo o enorme apoio popular que o instalou no Paço e que de lá será expulso no pleito deste ano. Tenho minhas dúvidas. Aliás, não tenho. Estou convicto de que, tal como na obra de George Orwell, o rebanho ecoará um espetacular e estrondoso balido, devidamente adaptado aos novos tempos: “quatro pernas bom, duas pernas melhor”. 

Assim será até o dia em que as ovelhas descobrirem que não precisam dos porcos, nem de Napoleão nem do velho Jones. Que podem, autonomamente, determinar suas vidas, seu futuro, seu governo.

(Publicado originalmente no Facebook em 30/08/2015)

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