segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Sobrenome

Até mais do que o próprio nome, é o sobrenome que constitui nossa identidade. Ele nos vincula à nossa origem familiar e lembra nosso pertencimento a um grupo social. O sobrenome também marca nossa diferença em relação às coisas, às flores, brinquedos e demais objetos, como afirma o compositor Toquinho na música Gente tem sobrenome: “coisas não têm sobrenome. Mas a gente sim.”

Gosto do meu sobrenome. Martins, acredita-se, deriva do nome latino Martinici, que significa belicoso, guerreiro. Há ainda versões que consideram meu sobrenome como o diminutivo de Marte, o deus da guerra. Mas não é isso o que me faz gostar dele, tampouco a sua sonoridade ou uma eventual fidalguia. Me encanta em meu sobrenome não o que ele significa, mas sim o que representa.

Muito comum em toda a Península Ibérica, chegou ao Brasil através dos espanhóis e portugueses, um deles o meu avô paterno, Joaquim Martins, português de Trás-os-Montes.

Pouco sei da história de meu avô antes de chegar ao Brasil. Até tenho curiosidade. Descobrir onde viveram seus pais, meus bisavós, conhecer a casa onde nasceu e cresceu, se é que ela ainda existe, pisar no chão dos meus ancestrais, sentir ali sua energia, quem sabe até encontrar algum parente distante.

Mas isso não é o essencial. O que importa, de fato, é a história que conheço. A família que meu avô constituiu aqui. Não o conheci. Meu pai, Annibal Martins, era ainda jovenzinho quando ele faleceu. Mas pelo sobrenome me sinto conectado a ele, a meu pai, aos meus tios e tias, todos já falecidos. E também aos meus primos, mesmo aqueles que, por força do patronímico, perderam o sobrenome Martins.

Carregar o sobrenome Martins depois do meu nome representa embeber-me de toda essa história. Não sou um João ninguém nem um João qualquer. Sou o João Martins. E me orgulho disso. Das qualidades e defeitos, conquistas e derrotas, do vigor e das fragilidades da minha família.

Por isso, fico até encabulado quando vejo alguém rejeitar seu sobrenome, independente da razão. Renegar o sobrenome é renunciar à própria história, a essência do próprio ser e até à própria identidade. É rechaçar a trajetória dos ancestrais. É querer ser rio sem nascente.

Sem abrir mão do Martins, até aceitaria acrescentar um sobrenome se essa opção me fosse dada. E seria outro sobrenome de origem latina, que também entrou no Brasil através dos portugueses e que, acredita-se, descende da tradicional Casa Real de Aragão.

Não o escolheria, entretanto, pela origem nobre, mas porque encarna a alma do povo brasileiro e suas mais nobres características: a solidariedade, a tolerância, a criatividade, a alegria, a esperança, a perseverança, a generosidade, a jovialidade e a resiliência.

Por tudo o que representa, escolheria o sobrenome Silva e, de quebra, ainda renderia homenagem à minha avó paterna, Antonia Dias da Silva, também portuguesa, bem como à minha esposa (Deo)Linda Marilda da Silva Martins, que herdou o sobrenome Silva de seu pai e o deu em herança aos nossos filhos.


Publicado originalmente no Facebook em 24/02/2016


P.S. - Muitas outras pessoas seriam merecedoras de minha homenagem, caso pudesse adotar o sobrenome Silva, dentre elas o sempre Presidente Lula, meu compadre frei Carlos Silva e o maratonista olímpico Solonei Silva, que é meu conterrâneo. 

E hoje, mais uma entra nesse rol: Rafaela Silva, judoca medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Ela é a cara do Brasil real: mulher, negra, pobre, vítima de racismo... E vencedora! Razões para desistir ela teve de sobra, desde que nasceu. Mas ela é brasileira e não desiste nunca.

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