“Por detrás de uma pessoa que fere há sempre uma pessoa ferida. Ninguém faz os outros infelizes, se primeiro não for infeliz.”
(Augusto Cury)
Toda ferida, seja do corpo ou da alma, precisa de tempo e cuidados para ser curada. O processo de cura é doloroso, quase sempre demorado, mas necessário. E, ao final, restará uma cicatriz, “visível marca de um riscado inesperado, pra lembrar e nunca mais esquecer”, como canta a banda de rock pernambucana Nação Zumbi. Curada a ferida, a cicatriz permanece lá, por toda a vida, impedindo o esquecimento do que a provocou, motivando a abstenção de sua causa.
Simplesmente ignorar a ferida, não ajuda em nada. Você pode até escondê-la, cobri-la, abafá-la, disfarçá-la... mas ela continua lá, doendo, febril, muitas vezes sangrando. E o pior, pode infeccionar, gangrenar, levar a uma amputação, quiçá à morte por septicemia.
Em agosto de 2015, a empresária e política novaodessense Carol Moura dividiu as opiniões ao cobrir com tinta inscrições racistas, de orientação assumidamente nazista, pichadas no muro do cemitério municipal. Muitos aplaudiram a atitude da então prefeiturável, identificando nela um gesto de solidariedade aos haitianos, vítimas da odiosa pichação. Outros tantos classificaram a ação como oportunismo e demagogia.
Acho irrelevante discutir a motivação de Carol Moura para apagar a pichação. Mais importante é refletir sobre as consequências. Apagar a pichação não apagou o sentimento racista do(s) pichador(es). A ferida, ainda que coberta por tinta, continua aberta, doendo, sangrando. Ignorá-la, encobri-la, escondê-la é correr o risco de uma gangrena social, de uma violenta amputação racial e até de uma intolerância septicêmica que leve a óbito a convivência comunitária fundada na ética, no respeito, na solidariedade.
Penso que não é esse o caminho mais adequado para curar a ferida. Há uma via paralela. É preciso deixar a ferida aberta, exposta ao sol da justiça, combater os germes do ódio, do preconceito e do rancor com antissépticos apropriados, como o diálogo, a tolerância, o amor, o perdão. É um processo doloroso, demorado, mas necessário. Sem ele, nunca chegaremos à cicatriz, ao mesmo tempo sinal de cura e marca “pra lembrar e nunca mais esquecer”, evitando assim o reabrir da ferida.
Tem razão o psiquiatra colinense Augusto Cury. “Ninguém agride os outros sem primeiro se auto-agredir”. Os atos de rejeição, de exclusão e de morte, diz o teólogo Leonardo Boff, “começam no coração: nele se alimenta o preconceito, se aninha a má intenção e se elabora a antipatia”.
Considero que o ódio, que Boff define como “uma avassaladora energia de destruição”, é como uma brasa fumegante que a pessoa aperta na própria mão. Quanto mais queima e machuca, mais aperta. Se você está entre os que destilam ódio, rancor, raiva, preconceito, intolerância... tenha certeza de que tudo isso machuca a vida, provoca doenças, inclusive câncer.
Meu conselho: abra o coração, jogue fora a brasa. Garanto que se sentirá muito bem, assim fazendo. Veja bem, não estou dizendo pra jogar fora suas convicções, crenças e opções políticas. Apenas o ódio.
(Publicado originalmente no Varal de Notícias em 14/08/2015)
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