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No corredor da morte |
Vegetariano há 21 anos, passei a ver a pecuária como sinônimo de violência e morte. Violência contra os animais, violência contra o meio ambiente, violência contra nossa saúde.
Essa "ignorância bovina" me deixou intrigado com o sonho que tive esta noite. Afinal, sonhei com um boi. Ou melhor, sonhei que era parte de um boi. Normalmente não me lembro dos sonhos ao acordar, mas esse, com uma riqueza enorme de detalhes, está martelando em minha cabeça.
No meu sonho eu era uma pequena célula, mais precisamente um linfócito, de um grande e forte boi. Nem sei se o sistema imunológico bovino tem linfócitos, mas no meu sonho tinha. No começo esse boi vivia livre numa grande pastagem e era saudável. A alimentação equilibrada e natural proporcionava a normalidade das funções vitais, o equilíbrio energético e a imunidade.
O boi vivia feliz, numa perfeita simbiose com as bactérias e protozoários da flora ruminal. Até que apareceram alguns parasitas que tomaram posse do grande corpo, trazendo desequilíbrio e destruição das defesas naturais. Pouco a pouco o boi foi adoecendo.
Os parasitas devoravam com voracidade sem igual todos os nutrientes absorvidos, condenando o boi à magreza, à desnutrição e à anemia, além da morte prematura por inanição de milhões de células. Fraco, o boi contraía sucessivas e graves infecções a cada espirro dos colegas de pasto.
Então resolveram consultar uma clínica veterinária. No meu sonho, consegui identificar a sigla FMI na fachada dessa clínica, mas nenhuma explicação do seu significado. A equipe de veterinários, ortodoxa em suas terapias, prescrevia doses cavalares (ou bovinas, sei lá!) de remédio amargo para tentar amenizar os sintomas.
Os efeitos eram devastadores. As drogas produziam efeitos colaterais fortíssimos que exigiam trabalho redobrado dos órgãos, sistemas e células, além de estrangular e sufocar o sistema imunológico, adoecendo e matando milhares de células.
Felizmente sobrevivi. E, infelizmente, os parasitas também. Dotados de uma inteligência incrível, eles refugiavam-se em locais inacessíveis aos medicamentos e voltavam a atacar assim que os efeitos passavam, devorando a parca comida da dieta restritiva imposta pelos veterinários.
As visitas da equipe da clínica FMI eram constantes e os remédios cada vez mais amargos. Para desgraça do boi e prazer dos parasitas. Até o dia em que o boi cansou e, por conta própria, resolveu procurar outro tratamento. Nada de veterinários, nada de medidas ortodoxos, nada de remédios amargos.
As visitas da equipe da clínica FMI eram constantes e os remédios cada vez mais amargos. Para desgraça do boi e prazer dos parasitas. Até o dia em que o boi cansou e, por conta própria, resolveu procurar outro tratamento. Nada de veterinários, nada de medidas ortodoxos, nada de remédios amargos.
O novo tratamento consistia apenas no fortalecimento do sistema imunológico, na normalização das funções vitais, na adequada nutrição e energização das células, garantindo que, minimamente, as vitaminas, minerais e proteínas chegassem a todas elas. Em outras palavras, distribuição mais equitativa dos nutrientes.
Tratamento lento, mas progressivo. Pouco a pouco, tecidos necrosados começaram a regenerar-se, infecções crônicas foram debeladas, o sangue foi revigorado. O boi foi ganhando peso e energia, o pelo ficou lustroso. Até sua auto estima cresceu. E ele conseguiu ficar de pé e caminhar novamente. Passos lentos, ainda, mas firmes. Voltou a alegria de viver.
O problema é que o tratamento natural não eliminou os parasitas. Eles até se aquietaram por um tempo, pareciam conformados com a redução da comida que, agora, era melhor distribuída. Mas não. A essência dos parasitas é sugar mais e mais de seu hospedeiro.
A saúde do boi em franca recuperação, suportando até mesmo infecções que abateram outros bois do rebanho, logo atraiu olhares externos. E a ira do antigo veterinário que, aliado aos parasitas, passou a sabotar o novo tratamento.
Trataram de espalhar carrapatos sobre todo o couro do boi. Carrapatos que lhe sugavam o sangue avidamente. E, então, os parasitas passaram a propagar às células a ideia de que a culpa era do novo tratamento. Que os carrapatos eram partidários e amigos da nova equipe de terapeutas, que a intenção deles era transformar o sangue verde e amarelo (sim, o boi tinha sangue verde e amarelo) em vermelho.
A terapeuta que chefiava a equipe até tentou explicar que o tratamento estava indo bem, que o corpo conviveria ainda algum tempo com os parasitas e que esses deixariam de existir quando a saúde estivesse completamente restabelecida e os hábitos saudáveis consolidados. Mas não teve jeito. E, para tentar contornar a situação, a terapeuta cedeu aos apelos e, de forma paliativa, ministrou carrapaticidas.
Foi um desastre. O veneno até eliminou alguns carrapatos, mas não foi suficiente para conter a infestação, pois esses artrópodes têm uma capacidade de reprodução incrível. E, pra complicar, atingiu a corrente sanguínea, intoxicando as células, enfraquecendo e desorientando o sistema imunológico.
Alguns vírus oportunistas atacaram, invadiram algumas células e passaram a reproduzir-se aceleradamente. As células invadidas, insufladas pelos parasitas de sempre, voltaram-se contra o organismo, deprimindo-o, enfraquecendo-o, culpando-o pela infestação de carrapatos.
Não sei se células têm sentimentos, mas no meu sonho essas células dominadas pelos parasitas encheram-se de ódio e passaram a atacar todas as demais células do corpo. Os neurônios entraram em colapso, as sinapses foram interrompidas e o corpo passou a orientar-se, de forma suicida, pela rede de informações retro-virais, tudo orientado pelos seculares parasitas.
No meio disso tudo, me vi um valente linfócito, unido a outros linfócitos, leucócitos, neutrófilos, monócitos, basófilos e eosinófilos, lutando desesperadamente para combater os parasitas e tentar reverter o quadro. Não sem enfrentar provocações irônicas, agressões e ofensas das células dominadas, nos acusando de defender os carrapatos.
No meio dessa luta inglória, pude ver o boi, cabisbaixo, caminhando pesadamente para o abatedouro. A cada etapa dessa caminhada, no estreito corredor, uma porteira se fecha. Várias já fechadas, restando apenas uma. Algumas células combatentes, companheiras nessa luta, desistem, entregam os pontos. Outras, iludidas, tentam nos convencer que é melhor uma aliança com os carrapatos para ganhar força e enfrentar os parasitas mais à frente.
Não percebem que os carrapatos são tão inimigos quanto os parasitas, nem que tudo estará acabado quando a haste metálica do revólver pneumático atingir o cérebro ou a marreta estraçalhar a caixa craniana. Só os vermes sobreviverão na carniça.
O sonho vira pesadelo. Desesperadamente tento acordar outras células desse estado de torpor. Sem sucesso! Mas não tenho outra saída. Vou resistir até o fim. Na esperança de que ainda consigamos, antes do momento derradeiro, provocar uma febre com ataque convulsivo que, com os movimentos anárquicos dos membros, seja capaz de romper os muros e livrar o boi do corredor da morte.
No final das contas quem acordou fui eu. Não o linfócito, eu mesmo, João. E estou até agora tentando decifrar a mensagem do sonho. Alguém pode me ajudar?
Não sei se células têm sentimentos, mas no meu sonho essas células dominadas pelos parasitas encheram-se de ódio e passaram a atacar todas as demais células do corpo. Os neurônios entraram em colapso, as sinapses foram interrompidas e o corpo passou a orientar-se, de forma suicida, pela rede de informações retro-virais, tudo orientado pelos seculares parasitas.
No meio disso tudo, me vi um valente linfócito, unido a outros linfócitos, leucócitos, neutrófilos, monócitos, basófilos e eosinófilos, lutando desesperadamente para combater os parasitas e tentar reverter o quadro. Não sem enfrentar provocações irônicas, agressões e ofensas das células dominadas, nos acusando de defender os carrapatos.
No meio dessa luta inglória, pude ver o boi, cabisbaixo, caminhando pesadamente para o abatedouro. A cada etapa dessa caminhada, no estreito corredor, uma porteira se fecha. Várias já fechadas, restando apenas uma. Algumas células combatentes, companheiras nessa luta, desistem, entregam os pontos. Outras, iludidas, tentam nos convencer que é melhor uma aliança com os carrapatos para ganhar força e enfrentar os parasitas mais à frente.
Não percebem que os carrapatos são tão inimigos quanto os parasitas, nem que tudo estará acabado quando a haste metálica do revólver pneumático atingir o cérebro ou a marreta estraçalhar a caixa craniana. Só os vermes sobreviverão na carniça.
O sonho vira pesadelo. Desesperadamente tento acordar outras células desse estado de torpor. Sem sucesso! Mas não tenho outra saída. Vou resistir até o fim. Na esperança de que ainda consigamos, antes do momento derradeiro, provocar uma febre com ataque convulsivo que, com os movimentos anárquicos dos membros, seja capaz de romper os muros e livrar o boi do corredor da morte.
No final das contas quem acordou fui eu. Não o linfócito, eu mesmo, João. E estou até agora tentando decifrar a mensagem do sonho. Alguém pode me ajudar?
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