quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Jarbas ou Anselmo?

Jarbas Pereira Marques
Jarbas Pereira Marques nasceu no Recife em 27 de agosto de 1948. Estudou no tradicional Colégio Porto Carreiro, que fica na Rua da Concórdia, na capital pernambucana. 

Foi ali que iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista, na segunda metade da década de 60. Anos sombrios da ditadura militar implantada em 64, que acabou com as eleições diretas, suprimiu direitos políticos e constitucionais, impôs a censura, a perseguição política e a violenta repressão aos que se opunham ao regime.

A 10 dias de completar 20 anos de idade, Jarbas foi preso quando distribuía panfletos convocando para o congresso da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Foi considerado subversivo e torturado pelos órgãos de repressão de Pernambuco. Saiu doente da prisão. Mas também saiu fortalecido nas convicções e no propósito de combater a ditadura, lutar pela democracia.

Na militância conheceu Tércia Maria Rodrigues, por quem apaixonou-se e com quem casou-se em 17 de dezembro de 1970. Moraram inicialmente em São Paulo mas regressaram ao Recife cerca de um ano depois, com a missão de organizar no Nordeste a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Foi na Livraria Moderna, centro do Recife, onde estava trabalhando, que Jarbas caiu novamente nas garras da repressão, no dia 08 de janeiro de 1973. Três dias antes, havia procurado a advogada Mércia de Albuquerque Ferreira, a quem relatou a suspeita de ter sido delatado por um agente da repressão infiltrado na VPR. Confiou a ela algumas fotos, documentos e revelou a angústia e a amargura da prisão iminente.

Em depoimento à Justiça, Mércia descreve Jarbas como "um tipo romântico e ingênuo" e diz que o aconselhou a fugir. Ele, porém, arriscou e entregou a própria vida para garantir a segurança da frágil esposa e da filhinha Nadejda, de apenas 9 meses. Por amor, entregou-se ao martírio para preservar filha e esposa às quais permaneceu fiel até o fim.

Preso pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, Jarbas foi trucidado em sessões de tortura. Três dias depois os jornais noticiaram sua morte e de mais cinco militantes da VPR na Granja São Bento, na cidade pernambucana de Paulista, todos presos e torturados até a morte e levados à chácara para forjar o cenário de um falso tiroteio com as forças policiais.

Amor, solidariedade, compaixão, fidelidade, definem Jarbas.

Soledad Barret Viedma, uma das cinco militantes assassinadas
Soledad Barret Viedma
junto com Jarbas, não teve a mesma "sorte" de Mércia. 

Paraguaia de nascimento, Sol viveu exilada na Argentina e no Uruguai devido ao ativismo político de sua família. Aos 17 anos, em Montevidéu, foi sequestrada por neonazistas que gravaram a suástica em suas coxas, com uma navalha, por se negar a gritar "Viva Hitler". 

Fugindo das perseguições, refugiou-se em Cuba, onde conheceu o brasileiro José Maria Ferreira de Araújo, militante da VPR que estava exilado na Ilha, com quem se casou teve uma filha. 

José Maria, o Arariboia retornou ao Brasil e foi capturado e morto em 1970. Sua morte fortaleceu em Soledad a disposição de lutar contra as sangrentas ditaduras militares nos países latino-americanos.

Passou a militar na VPR, onde conheceu José Anselmo dos Santos, amigo e companheiro de José Maria. Ex-sargento da Marinha, "cabo" Anselmo tinha liderado a revolta dos marinheiros, no Rio de Janeiro, em março de 64, dias antes do golpe militar. Foi preso pela ditadura, fugiu e exilou-se em Cuba. Na volta ao Brasil passou a integrar a VPR. 

Quando Sol foi presa, torturada e executada pelo delegado Fleury, em janeiro de 1973, estava grávida de cabo Anselmo. Quando foi ao necrotério do Recife, em frente ao Cemitério de Santo Amaro, à procura do corpo de Jarbas, a advogada Mércia encontrou seis corpos. Ela conta que "em um barril estava Soledad Barrett Viedma: ela estava despida, tinha muito sangue nas coxas, nas pernas e, no fundo do barril se encontrava também um feto".

Cabo Anselmo
Cabo Anselmo, ao contrário de Jarbas, não protegeu Soledad. Sem remorso e sem dor ele a delatou e a entregou grávida ao delegado Fleury para ser executada, como fez com os outros cinco massacrados na Granja São Bento e com dezenas, talvez centenas, de companheiros entregues à tortura e à morte. Cabo Anselmo, na verdade, era agente policial infiltrado.

No livro Soledad no Recife, o escritor pernambucano Urariano Mota conta que Sol, antes de morrer apontou para o traidor e sentenciou: "Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século". 

Canalhice, covardia, torpeza, vilania, traição, definem cabo Anselmo. E cinismo! Assassino cruel de sua amorosa companheira e de seu filho, cabo Anselmo disse que o fez para salvar o Brasil do comunismo.

Na vida, sempre somos instados a tomar posição, a escolher entre Jarbas e cabo Anselmo. A maioria de nós escolhe Jarbas, ainda que isso represente a derrota e até a morte. Mas há quem se identifique com Anselmo. Escolhem Caim no lugar de Abel, Silvério no lugar de Tiradentes, Judas no lugar de Jesus.

Vi isso ainda ontem em vídeo publicizado por uma controversa coadjuvante da política local, no qual, cinicamente, justifica sua escolha por Temer no lugar de Dilma. Por amor ao Brasil, diz ela.
Infelizmente, no Brasil que ela diz amar não cabem os brasileiros.

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