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Cavaco e Justina |
Como qualquer órgão de imprensa, O Liberal era porta-voz das elites de Americana e demais cidades da região. Quem não se alinhava com as idéias e interesses dessas elites ficava de fora das páginas do jornal. Não porque essa fosse uma orientação explícita da direção do jornal, mas tão somente pela visão elitista dos repórteres que ali trabalhavam.
Quando cheguei à redação, logo me tornei o "canal" para a expressão de lideranças sindicais, populares e de partidos de esquerda. Uma dessas lideranças era o Osvaldo Padovan, então diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e presidente do PT de Nova Odessa.
Padovan passava sempre pelo jornal e deixava, numa caixinha de recados da recepção, um bilhete com informações sobre atividades do sindicato ou do partido. Quando eu voltava da rua, no final da tarde, pegava o bilhete e transformava em matéria.
Essa prática, porém, começou a incomodar. O editor da época, um autêntico lacaio das elites, se apoderou de um desses bilhetes que o Padovan deixara pra mim e resolveu ele mesmo produzir a matéria. Começou seu texto afirmando que "o presidente do PT de Nova Odessa, Osvaldo Padovan, através de nota recheada de erros ortográficos e gramaticais..." E seguiu até o fim ironizando as "poucas letras" do meu amigo Padovan.
Na noite seguinte fui procurado em casa pelo Cavaco. Ele trazia uma nota oficial do diretório do PT, repudiando a publicação. Na verdade o próprio Cavaco é quem redigira a nota. Embora sem grande escolaridade, Cavaco sempre foi dotado de uma inteligência e sagacidade extraordinárias. Um autodidata. E naquela nota conseguiu, em poucas palavras, pôr o editor sob seu chinelo.
Começava lembrando a situação de exclusão social do país, que tira precocemente muitos filhos de trabalhadores dos bancos escolares. E acrescentava que Osvaldo Padovan era um desses muitos filhos de trabalhadores que muito cedo foi privado da escolaridade pela necessidade de trabalhar e ajudar no sustento da família, daí sua dificuldade com a escrita.
Dizia, ainda, que a luta do PT era justamente para acabar com essa situação de exclusão que afeta milhões de brasileiros. Depois vinha a pá de cal sobre o orgulho mesquinho do editor: "nós, do PT, preferimos os erros gramaticais do que os desvios éticos e morais característicos das nossas elites e políticos profissionais".
Quando o editor leu a nota, deixada sobre sua mesa pelo próprio Cavaco, ficou furioso. Levantou-se aos berros e dirigiu-se à minha mesa esbravejando e gritando impropérios. Imaginou que o texto fosse de minha autoria e insistia que eu estava trabalhando contra o jornal. Tentei argumentar, mas era inútil. Ele estava completamente transtornado. E sentenciou: não fale mais comigo! Com toda calma respondi: será um prazer!
De fato não nos falamos mais. Trabalhei ainda por alguns meses no jornal e, nas reuniões de pauta, ele sequer dirigia o olhar para mim. Ao final da reunião afixava no mural da redação o que reservara da pauta para mim. Depois de alguns dias nem isso fazia mais. Ficava a meu critério garimpar notícias, produzir ou não as matérias.
Isso foi me cansando e resolvi deixar O Liberal. Vários fatos e fatores contribuíram para que o clima ficasse insustentável, mas o Cavaco foi quem desencadeou o processo quando "nocauteou" o editor.
Seu jeito irreverente de ser despertava reações furiosas em muitos militantes sindicais e partidários. Uma destacada integrante do PCdoB de Americana, hoje no PT, dizia irritada que o Cavaco não fazia política com seriedade. Ao que ele, sorrindo, respondia: "Faço política séria sim, mas com bom humor". Grande figura.
(Publicado originalmente no Facebook em 30/04/12)
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