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Coxinhas, as originais: boa fama ameaçada pelos coxinhas |
Isso mesmo, coxinhas! De frango e de carne. Minha mãe preparava a massa e o recheio, moldava os salgados, fritava, acondicionava tudo numa cesta e eu saía pelas ruas de Penápolis oferecendo os apetitosos salgados. Gostava muito de coxinha, especialmente se feita com massa de mandioca. Com molho de pimenta, então, era irresistível. Deixei de apreciar o salgado quando fiz opção pela alimentação vegetariana.
O que eu nunca poderia imaginar é que, de repente, coxinha deixasse de significar um petisco tão popular para designar criaturas tão desprezíveis de nossos tempos. A gíria é recente e ninguém sabe explicar com precisão como o termo passou a caracterizar, de forma pejorativa, aquela moçada mimada pelo dinheiro fácil que, na minha adolescência era conhecida por “filhinhos de papai”, “mauricinhos” ou “playboys”.
Coxinha que se preza tem preocupação exacerbada com a aparência. Cabelo impecavelmente arrumado, camisa polo de marca, smartphone de última geração. A esse respeito, Aurélio Melo, professor de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie disse numa entrevista algum tempo atrás que estamos presenciando um novo paradigma na sociedade. Para os coxinhas pouco importa o ser ou o ter. O que vale mesmo é o parecer. Talvez por isso, ter dinheiro não seja um requisito essencial para ser coxinha. Basta ter a sensação de pertencimento a uma camada ou classe social, mesmo que nunca chegue de fato a pertencer.
Entretanto, na minha modesta opinião, o que melhor caracteriza um coxinha é seu ódio exacerbado ao PT e aos petistas (ou petralhas como eles preferem dizer), aos pobres, aos favelados (ainda que alguns coxinhas sejam pobres e morem em favelas), aos negros, aos beneficiários do Bolsa Família, aos cotistas das universidades públicas, aos gays, lésbicas, prostitutas, indígenas e tudo o mais que, na sua visão de mundo estreita, egocentrista e individualista, contrarie seus ideais de meritocracia e seja estímulo à vagabundice.
De uns tempos para cá tomaram as ruas travestidos de lutadores verde-amarelos contra a corrupção. Não qualquer corrupção, apenas aquela supostamente arquitetada e executada pelo PT e os petralhas. Nada a ver com o suborno ao guarda de transito, a carteirinha estudantil falsificada ou com aquele dinheiro que “papai” enviou ao exterior depois de sonegar impostos para fugir da crueldade fiscal dessa corja comunista-bolivariana-lulo-petista.
Os coxinhas estão em toda parte. Todo mundo tem um parente, um amigo, um colega de trabalho ou de estudo e um vizinho coxinha. Eu tenho vários. Em geral, eles ficam na deles e eu fico na minha. Não visito suas casas nem suas páginas nas redes sociais, não opino sobre suas opiniões. E assim fica tudo certo. Mas às vezes, tem algum que foge da regra. Aí o caldo entorna.
Foi o que aconteceu ontem. A pessoa me envia uma mensagem via facebook destilando seu odioso preconceito, fazendo apologia à violência policial contra manifestantes em luta pela democracia e por moradia, defendendo o latifúndio e a propriedade privada como direitos naturais e meritocráticos, atacando os princípios democráticos ainda inscritos na Constituição Federal e, de quebra, me ofendendo.
Já respondi ao sujeito que não pedi sua opinião e que fique com sua visão estreita de vida, defendendo seus ideais fascistas, golpistas e elitistas (mesmo sem qualquer chance de integrar a elite algum dia). Podia ficar só nisso. Mas não estou resistindo à tentação de ironizar duas das pérolas vomitadas por esse coxinha que, por obra do acaso, é um primo meu. Vamos lá.
“Esse bolsa família pode ser chamado de bolsa vagabundo. Uma vez o vagabundo recebendo a grana de graça não vai querer trabalhar”.
Fiquei em dúvida aqui. Será que o coxinha se baseou em algum estudo sociológico, uma pesquisa acadêmica para tal afirmação, ou considerou apenas a experiência de vida de quem, aos 51 anos de idade, nunca soube o que é trabalho, carteira assinada, cartão de ponto?
“Também sou contra a reforma agrária. Todos tem que trabalhar para ter aquilo o que almeja. Seja a propriedade alheia herdada ou comprada”.
Coitado! Com uma formação cultural de Almanaque Fontoura certamente nunca ouviu falar nem sabe o significado de grilagem de terras. Ou talvez imagine que seja apenas a aquisição (ou herança) de propriedade pelos grileiros, ou seja, os integrantes da família Grilo.
Como não sou da família Grilo e sim da família Martins, não herdei nenhuma “propriedade alheia”, nem aqui nem em Trás os Montes – Portugal, de onde vieram meus avós paternos. Meu pai trabalhou duro a vida toda, empenhou suor e sangue, comprometeu a saúde, mas não conseguiu acumular bens nem propriedades. Talvez porque não tivesse conhecimento dessa tal meritocracia.
Não me queixo de ser um deserdado material. Herdei de meu pai bens mais preciosos que terras ou propriedades. Honestidade moral e intelectual foi uma dessas heranças. Solidariedade com os deserdados da sociedade foi outra. Não digo o mesmo da fome e sede de justiça. Essas são conquistas minhas. A fome e a sede. Já a justiça, continua no campo das utopias.
Em tempo, recado final ao primo coxinha: se minha existência e minhas convicções te incomodam tanto, não se apoquente não, basta me excluir/bloquear da lista de amigos do facebook. Não ficarei nem um pouco incomodado nem triste com isso. Pode crer.
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