segunda-feira, 30 de maio de 2016

Cartas

Por uma carta a boa notícia: Juliana nasceu
Nos porões da ditadura militar, durante os quatro anos em que foi mantido encarcerado, Carlos Alberto Libaneo Christo, o frei Beto, recorria às cartas para manter-se vivo. 

As Cartas de Prisão, reunidas posteriormente em livro, não se restringiam à comunicação com o mundo exterior. Eram um grito de amor à liberdade e à vida que mantinha acesa a esperança, que ajudava a amenizar a dor causada pelo jugo dos torturadores, que alimentava a fé e a compaixão (não piedade) para com os excluídos... 

No solitário "exílio" de meu quarto, quando troquei Penápolis por Nova Odessa, também eram as cartas que me mantinham vivo, amenizando a dor da distância dos amigos, alimentando a esperança do (re)encontro e fortalecendo os laços das amizades.

Após um longo dia de trabalho, era na reclusão de meu quarto (se fosse um monge chamaria de cela) que saboreava cada palavra cada frase, cada notícia das cartas que recebia do Xavier, do José Luís, do Talo, da Leonila, da Rosana, do frei Carlos, frei Osmar e, principalmente, da Marilda

Lia, relia e me sentia revigorado, fortalecido. E respondia a cada uma das correspondências no mesmo dia que as recebia. Não passava um dia sequer sem escrever a algum dos amigos, poucos mas diletos. Muitas vezes acordava no meio da noite com a caneta entre os dedos e a folha amassada sob o rosto. 

Era através das cartas que dialogava com a Marilda, tentando entender e ajudar nas suas dificuldades no trabalho, com a família, no casamento... Me sentia um irmão mais velho, embora seja quase um ano mais novo, aconselhando sobre situações que nunca tinha vivido. 

Foi através das cartas que acompanhei cada fase de sua gravidez, torcendo para que me desse uma afilhada, embora ela preferisse um menino. E foi através de uma carta da Rosana que soube do nascimento dessa princesinha linda aí da foto, a Juliana

Já sabia, através das cartas da Marilda, que a bebê era perfeita, que tinha todos os dedinhos nas mãos e nos pés, mas que era um bebê lindo só fui saber quando recebi suas primeiras fotos junto com uma carta. 

Era nas cartas que eu também partilhava meus projetos, minhas inseguranças, minhas alegrias e frustrações, minhas reflexões e conquistas. Guardo até hoje a maioria dessas cartas recebidas dos amigos. Delas, assim como de um baú ou das escrituras sagradas, sempre revivo fatos antigos e descubro novos caminhos. 

Cartas... Como fazem falta no tempo atual!


(Publicado originalmente no Facebook em 05/03/12)

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