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Encontro do Cursilho em Araçatuba |
Quase um hino oficial do Movimento Cursilhos de Cristandade, Decolores expressa bem a própria essência e a metodologia utilizada pelo movimento no seu trabalho de "evangelização".
Uso do testemunho pessoal, forte impacto emocional sobre os cursilhistas, pouca ou nenhuma abordagem da dimensão social do Evangelho, busca de "cura" para os problemas pessoais pela conversão pessoal, sem se atentar para os fatores sociais, políticos e econômicos determinantes do comportamento humano.
O Cursilho, como os demais movimentos eclesiais característicos dos anos 60 e 70, enfocava um espiritualismo que levava as pessoas a fecharem-se dentro do próprio movimento, alienando-se da realidade social em que viviam.
Os encontros tinham uma lógica própria, desencadeada pelas palestras (matracas ou marretas): chorou, gostou, ficou. Nem sempre por muito tempo. A maioria desligava-se novamente do movimento e da Igreja tão logo passava a euforia e empolgação do encontro.
Tive minha experiência com esse modelo de Igreja ao fazer o encontro da JAM - Juventude de Ação Mariana. Não chorei, não gostei e não fiquei. Parti para uma experiência de pastoral mais articulada com os princípios da Igreja primitiva, retomados pelo Concílio Vaticano II.
Por isso fui tomado pela surpresa quando a Marilda me anunciou, poucos dias após o início de nosso namoro, que participaria do encontro dos Cursilhos, na Casa São Paulo em Araçatuba. Foi convidada pelo seu patrão, o Pedro Campos, dono do Jornal Interior. Esse, aliás, era outro aspecto que me deixava intrigado nos movimentos de encontros da Igreja Católica: patrões e empregados convivendo harmonicamente nos encontros como se não houvesse uma relação de dominação e exploração nos seus cotidianos.
Mas evitei emitir qualquer opinião sobre o assunto, deixando que a própria Marilda pudesse formar sua opinião em relação ao Cursilho. Ela gostou. Mas não chorou nem ficou. Não entendia a razão de tantas lágrimas derramadas pelos encontristas a cada matraca e ao final do cursilho. Mas aproveitou o momento de retiro para reorientar sua vida que fora virada de pernas para o ar nos seis meses anteriores.
Trouxe, porém, uma preocupação do encontro. Numa conversa com o diretor espiritual do encontro, se não me falha a memória o padre Carmelo, falou de nossa história e foi informada que nossa condição de compadres criava laços familiares e que, portanto, nossa união só seria possível com autorização do bispo diocesano. Foi a primeira dificuldade que enfrentamos. Quase um balde de água fria na nossa ardente paixão.
Voltando do Cursilho, no dia 22 de junho de 1986, a Marilda me expôs essa preocupação quando lhe liguei na casa da Marina, sua irmã. Que seja assim, então. Vamos falar com o Bispo. Foi o que lhe respondi na hora.
De imediato escrevi a dom Walter Bini, então Bispo Diocesano de Lins. O conheci no tempo que morei em Lins, ficamos amigos, nutrimos uma admiração e respeito mútuos.
Cheguei a procurá-lo em meados de 1985 propondo que me enviasse como missionário leigo para trabalhar nas comunidades nordestinas. Ele questionou se não me interessava integrar o clero diocesano, já que desistira da vida religiosa. Respondi que não e reafirmei a disposição para o trabalho missionário como leigo. Ele, então, disse que a Diocese de Lins não tinha nenhuma ação desse tipo, mas me encaminhou ao Leme, um grupo de missionários leigos, telefonando na hora à coordenação e indicando meu nome.
Essa amizade com dom Walter me deixava confiante de que autorizaria meu casamento com minha comadre. Esperei com muita ansiedade por sua resposta até o final de julho. E quando chegou, a carta fez estampar um largo sorriso em meu rosto. Dom Walter dizia que o padre estava desatualizado e que não havia no novo Código de Direito Canônico qualquer impedimento à nossa união conjugal.
Não tínhamos qualquer dúvida de que nossa união, fruto do Amor, era já abençoada pelo Deus Amor desde o início. Mas a mensagem de dom Walter nos deixou mais convictos de que o Amor seria para sempre a força que precisaríamos para enfrentar e vencer as barreiras.
A Marilda não chegou a conhecer dom Walter, que faleceu pouco tempo depois num acidente automobilístico, junto com o Padre Geraldo Saleme. Mas até hoje nutre por ele grande carinho, assim como eu, pelas bençãos que intercedeu junto a Deus para nossas vidas.
(Publicado originalmente no Facebook em 01/04/12)
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