segunda-feira, 30 de maio de 2016

Pombo correio

Xavier, nosso pombo correio
216 dias. Esse foi o tempo entre o início do namoro e o nosso casamento. Mas pareceu uma eternidade. 

A distância nos massacrava, pois o máximo que conseguíamos era nos encontrar a cada 15 dias quando eu ia para Penápolis ou a Marilda viajava para Nova Odessa. Contávamos os dias, as horas, os minutos que nos separavam de cada encontro. E quando eles aconteciam, o tempo voava rápido. 

Nem eu nem a Marilda tínhamos telefone, por isso só conseguíamos nos falar usando o orelhão da praça. Da praça José Gazzetta, em Nova Odessa, eu ligava para a casa da minha cunhada Marina nos sábados ou domingos à noite, as fichas de DDD caindo rápido e a última cortando nossa conversa pela metade. 

A Marilda, da praça Carlos Sampaio Filho, em Penápolis, ligava para a redação do jornal O Liberal, todas as quartas-feiras à noite, onde eu ficava de plantão, mesmo que já tivesse acabado de redigir as matérias do dia. 

O que aliviava mesmo nosso "sofrimento" eram as cartas. Eu passava as manhãs na frente de minha casa esperando pelo carteiro. E era tomado de decepção quando ele passava direto sem deixar nenhuma correspondência. Decepção e revolta, pois sabia que a Marilda me escrevia todos os dias. 

Mas quando o carteiro parava, me premiava com quatro ou cinco cartas de uma vez. E eu as devorava de imediato, antes de sair para o trabalho. Depois, à noite, relia cada uma, saboreando cada palavra, rindo, chorando, me emocionando, me entristecendo, me alegrando... E respondia a cada uma das cartas, escrevendo até madrugada alta, muitas vezes adormecendo em cima do aerograma.

A Marilda tinha mais sorte. As minhas cartas também atrasavam, mas ela contava com um carteiro especial que lhe entregava cada correspondência minha assim que chegavam a agência dos Correios. Era meu amigo Xavier que logo se tornou amigo da Marilda também e que até hoje continua nosso amigo: meu, da Marilda e dos nossos filhos. 

Conheci o Xavier quando ele era seminarista capuchinho em Birigui. Depois foi para o Convento Santa Clara, em Taubaté, e retornou para Penápolis para um tempo de reflexão, para certificar-se de sua vocação. Foi quando nos tornamos amigos, participando da Juventude Franciscana. Meu melhor amigo. 

Fui testemunha de sua dedicação, de seu esforço sobre-humano para superar as dificuldades da época. Levantava de madrugada para embarcar nos precários ônibus dos gatos e enfrentar, sob o sol escaldante, o corte da cana, voltando exausto e preto de fuligem no final do dia. 

Foi assim, como cortador de cana, bóia-fria, que conseguiu manter-se e pagar a faculdade, antes de passar no concurso dos Correios. A vida difícil nunca tirou seu bom humor e sua irreverência. 

Saíamos das reuniões da Jufra, nas noites de sábado e passávamos, eu, ele e o Marcos Belussi, na sorveteria Signorina, na esquina da avenida Luís Osório com a rua Mário Sabino. Enquanto esperávamos o sundae, a vaca preta ou a banana split, o Xavier pedia uma bola de sorvete na casquinha e três pazinhas e ficávamos os três ao redor da mesa saboreando aquele momento. 

Houve uma vez, porém, que uma de suas brincadeiras irreverentes nos encheu de pavor. Saímos da sorveteria já tarde da noite, cortamos pela estação ferroviária e quando chegamos na pequena ponte de pedestres que havia sobre o Córrego Maria Chica, na altura da rua Ceará, avistamos um casal namorando numa kombi. 

Foi quando o Xavier disparou uma pergunta típica de garçom de lanchonete: "Vai comer ou vai embrulhar?" O sujeito da kombi virou o bicho e queria nos pegar de qualquer jeito. Atravessamos correndo a ponte e continuamos em disparada rua Ceará acima. 

O sujeito não desistiu: ligou a kombi, deu a volta na rua Amazonas e veio em nosso encalço. Surpreendeu-me quase perto da praça da Vila América e, esbravejando, queria por toda lei saber onde estava o Xavier. Respondi que não sabia, ele seguiu procurando e eu tratei de correr para minha casa, na esquina da rua Maranhão com a rua Goiás. 

Só na manhã seguinte, na missa das 8h30, fiquei sabendo do desfecho da história. O Xavier foi flagrado pelo cara da kombi quando chegou à pracinha da Vila América. Alucinado, o rapaz subiu com o veículo na calçada e avançou pelos passeios da praça. 

Foi quando o Xavier pegou do chão uma pedra e alertou: "Se não parar agora eu jogo". Como o perseguidor não parou, teve o parabrisa de sua velha kombi destruído por uma bela pedrada. Rimos muito ouvindo essa narrativa, imaginando como é que o sujeito explicou o vidro quebrado ao chegar em sua casa.

(Publicado originalmente no Facebook em 07/04/12)

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