segunda-feira, 30 de maio de 2016

Irreverência inspiradora

Credencial do jornal O Liberal
Nem Ministério Público, nem Judiciário, Igreja ou sindicatos. Nenhuma dessas instituições tinha tamanha credibilidade quanto o jornal O Liberal, quando ali trabalhei entre 1986 e 1988. 

Não importava o problema, a população recorria sempre ao O Liberal para reclamar e obter uma solução. Todos os dias, na nossa reunião de pauta, o editor Ju Jensen nos passava alguma queixa popular para apurar e produzir uma matéria: barulho, descarga de poluentes, buraco na rua, esgoto a céu aberto, inoperância de algum órgão público, mau atendimento... 

E o resultado quase sempre era positivo. Empresários, políticos, administradores públicos, todos temiam ver seus nomes expostos no O Liberal. 

Certa vez fiz uma matéria em que moradores reclamavam dos incômodos causados por uma pequena empresa. No dia seguinte o dono da empresa entrou aos gritos no jornal querendo saber quem era o responsável por aquela publicação, queria o nome do repórter para "acertar as contas". 

O saudoso Diógenes Gobbo, chefe de redação, foi curto e grosso: o jornal é o responsável e na edição de amanhã serão publicadas essas ameaças. O cara afinou na hora, se acalmou e tentou se explicar frente as queixas. 

Diógenes, aliás, fazia a diferença na redação do O Liberal. Tinha idade para ser pai de qualquer um dos repórteres, tinha mais tempo de jornalismo do que nossa idade, mas nos tratava como iguais, como companheiros, valorizava os bons textos e os furos de reportagem que conseguíamos. Além de mim e do Ju Jensen, compunham a equipe o Clemente Buoni, o Cláudio Marqueti e a Rita de Cássia Andrade. 

Muito espirituoso e sempre bem humorado, Diógenes conseguia manter um clima de descontração e entrosamento na redação. Num final de tarde, ao entrar na redação, encontrou sua cadeira sobre a mesa. Era uma traquinagem nossa só para ver qual seria sua reação.

Ele parou na frente da mesa, olhou e nada disse. Dirigiu-se à mesa ao lado, pegou outra cadeira, colocou-a sobre a mesa e sobre uma das cadeiras a máquina de escrever. Subiu na mesa, sentou-se na outra cadeira e começou a redigir sua coluna "Feira Livre". Explodimos em gargalhada, mas ele não se abalou e continuou ali por algum tempo, como se nada tivesse acontecido. 

Outra vez, colocamos cola em todas as teclas de sua máquina. Também não se abalou, pegou a máquina e jogou-a ao chão fazendo voar teclas, parafusos e outras peças por toda a sala. Diógenes fez a diferença no jornalismo de Americana. E, ao falecer no ano passado (2011), me inspirou a escrever esses causos, coisa que ele fazia com maestria.

(Publicado originalmente no Facebook em 28/02/12)

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