quarta-feira, 4 de maio de 2016

Discernimento vocacional

Visita ao Frei Osmar Cavaca, em Nova Veneza.
"Joãozinho, estou convicto de sua vocação à vida religiosa e sei que está preparado para ingressar no seminário. Mas fiz essa pergunta aos demais e a farei a você também: você nunca namorou? não sente atração por uma mulher ou necessidade de um relacionamento com alguém do sexo oposto?" 

Naquele momento, no último dia do encontro vocacional realizado no seminário Nossa Senhora de Fátima, em Birigui, apenas sorri diante dessa interpelação do frei Osmar Cavaca, nosso orientador vocacional. Mas naquele mesmo dia, ainda no caminho para casa, a confusão se instalou em minha cabeça. As palavras do frei martelavam como um badalo no sino e me deixavam perturbado.

Não, eu nunca tinha namorado ninguém, nada além das paquerinhas infantis e pré-adolescentes. Sim, eu sentia atração e necessidade de um relacionamento com o sexo oposto como qualquer pessoa normal. Mas até aquele momento considerava ser capaz de abrir mão disso para abraçar a vida religiosa. 

Até aquele momento, porque as palavras do Osmar me tiraram o chão. Minha vida resumia-se ao trabalho, aos estudos e à militância na igreja católica através da pastoral da juventude. Os amigos mais próximos eram o Xavier e o Marcos Belussi, ambos candidatos à vida religiosa como eu. 

Assim, perdido, cheio de dúvidas, partilhei essa angústia com uma amiga de faculdade e de pastoral de juventude. Tínhamos bastante afinidade, conversávamos bastante e muitos amigos comuns, sempre que nos viam conversando, brincavam dizendo que aquilo daria casamento. 

Até então nunca dera importância a essas brincadeiras, pois estava convicto de minha vocação, certo de que me tornaria um frade capuchinho. Mas as palavras do frei continuavam ecoando em meus ouvidos e me colocando em parafuso. Será que de fato era mais que amizade o que havia entre nós e só eu não percebia? 

Para minha surpresa e ainda maior susto, quando falei de minhas angústias, ela se revela apaixonada por mim, mas ressalvando que não queria de forma alguma interferir na minha decisão de seguir a vida religiosa. Minha cabeça ficou devastada por um furacão. 

Sem as facilidades de hoje (internet, telefone) só me restou escrever pedindo ajuda ao frei Osmar, que morava no Seminário Seráfico São Fidélis, em Piracicaba. Várias cartas trocadas entre maio e junho de 1983 e, ao final, o conselho: “João, meu amigo e irmão, se a dúvida persiste, faça uma experiência de namoro, descubra-se. Não importa quanto tempo será necessário. Se concluir que, de fato, seu caminho é a vida religiosa, as portas do seminário estarão abertas pra você”. 

E foi assim que acabei fora do seminário. Não foi nada tão simples, foi uma experiência dura, difícil, dolorida. Enfrentar a ira de outros frades e de familiares que não se conformavam em perder um aspirante à vida religiosa. 

Mas o que importa é o que sobrou ao final desse processo e que o frei Osmar exprimiu muito bem em uma carta que me enviou em maio de 1984: “o que sinto é minha consciência em paz por tê-lo ajudado a descobrir a vontade de Deus para sua vida. O positivo de todo esse processo parece ter aflorado: um João amadurecido, crivado e purificado pela experiência do sofrimento e do encontro com o possível próprio caminho”. 

Osmar não é mais frei. Deixou a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos para tornar-se padre diocesano em Taubaté. Mas enquanto foi promotor vocacional da Província dos Capuchinhos em São Paulo nunca teve como prioridade encher o seminário. Procurou sim, de forma ética, profundamente humana e cristã, auxiliar no discernimento vocacional dos jovens. 

Essa foto retrata um dos últimos encontros que tive com o Osmar. Não o vejo há quase 20 anos. Mas ele ocupa um lugar muito especial em minhas lembranças e em meu coração, pois participou de forma decisiva na definição dos rumos de minha vida afetiva. Obrigado, Osmar, por ter me ajudado a escolher certo e ser feliz.

(Publicado originalmente no Facebook em 04/02/12)

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