segunda-feira, 30 de maio de 2016

O essencial é invisível aos olhos

Única para mim
"Querida Marilda, há dias que tento "enxergar" o que ocorre entre nós dois. Foi um pouco difícil, porque fazia isso com os olhos. E o essencial é invisível aos olhos. Só podemos ver bem com o coração, é a lição de Exupery. Percebo agora, que você me cativou. De ora em diante, eu serei para você único no mundo, e você será única para mim. Como a raposa ao Petit Prince, posso dizer a você: 'minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música'. Te amo muito. Que este seja um sacramento". 

Com essa dedicatória inscrita na primeira página do livro Pequeno Príncipe, dirigi-me ao Jornal Interior, onde ela ainda trabalhava, naquela manhã de sábado, 14 de junho de 1986. Tinha viajado a noite toda, mas a ansiedade afastava todo o sono. A felicidade era imensa, o peito era pequeno para conter o coração, que batia disparado, de forma intensa. 

A cada passo, mil idéias e lembranças povoavam minha cabeça. Lembrei do dia em que comecei a questionar minha relação com a Marilda, enfrentando a tormenta que se instalara em minha vida por não conseguir encará-la mais como apenas uma amiga especial, uma irmã. Foi no início de abril. Sentia algo muito maior que uma simples amizade, mas não queria admitir essa hipótese. Passou o aniversário da Juliana e ambos tivemos, na despedida, uma sensação de perda. 

Passaram os dias, semanas... e a Marilda não me saía do pensamento. Convidado pelo Xavier, viajei a Lins em 17 de maio para participar de um encontro com o teólogo Clodovis Boff, à época um dos expoentes da Teologia da Libertação, ao lado de seu irmão Leonardo. 

É claro que queria muito conhecer o Clodovis, beber de sua mística, saciar-me de sua rica experiência pastoral, mas o que me animou mesmo a viajar foi a possibilidade de esticar até Penápolis no domingo à noite. 

E fui direto à casa da Marilda. Conversamos, matamos a saudade e, mais uma vez, fomos tomados pela estranha sensação de perda na hora da despedida. 

Foi ela que encheu-se de coragem e tomou a iniciativa de revelar o que sentia, em carta que me enviou. Li e reli cada palavra, tropeçando nas vírgulas e pontos, o coração saltando pela boca, lágrimas de emoção escorrendo pela face, uma incontida alegria invadindo todo o meu ser. 

E respondi na mesma hora a sua cartinha, revelando que tinha a mesma sensação e dizendo que tudo isso tinha apenas um nome: Amor. Só não sabia ainda em que proporção se manifestava tal amor que nos levava a uma sintonia de ideias, sentimentos, sensações e anseios. E dizia, também, da minha certeza de que um dia ainda conviveríamos juntos. 

Cartas foram, vieram, se cruzaram pelos caminhos e em cada uma aumentava a certeza desse amor que teimava em crescer nas nossas vidas. Agora estava eu ali, entrando no jornal, prestes a me encontrar com a Marilda. Como seria nossa reação? 

Entreguei-lhe o Pequeno Príncipe e senti sua emoção ao ler a dedicatória. Conversamos longamente ali mesmo no jornal, até o final do expediente. Depois, abraçadinhos, atravessamos a Vila Fátima e a Vila América até a casa do meu amigo Talo, onde estava hospedado. 

Subi à sua casa após o almoço, passamos a tarde juntos e com a nossa princesinha Juliana. À noite, coube-nos pajear a sobrinha Aline, já que a Márcia saíra e deixara a filha com a avó. Mas isso não nos abateu. Embalei a Ju em meu colo, cantando para que dormisse, enquanto ela fazia o mesmo com a Aline. 

Demorou. Devia ser quase onze da noite quando a Marilda finalmente saiu do quarto após colocar a Aline na cama. Eu, tímido e respeitador que era (aliás ainda sou), já estava de pé, à porta, com o agasalho na mão, pronto para ir embora. Ela me olhou e reclamou de pronto: "Tá pensando que vai me deixar aqui sozinha depois desse trabalhão todo? Nada disso!" 

Então puxou-me pela mão e começamos ali, trocando muitos beijos, carinhos e confidências, nossa linda história de amor que já se aproxima dos 26 anos.

(Publicado originalmente no Facebook em 22/03/12)

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