segunda-feira, 30 de maio de 2016

Feliz ano novo? Triste ano velho!

Composição da Fepasa, na estação de Bauru
Por volta de meia noite eu me dirigia à estação de Nova Odessa, onde dezenas de pessoas já aguardavam pelo trem de passageiros da Fepasa, que chegava às 0h20. Seguia até Americana onde esperava pelo outro trem, das 0h50, para seguir viagem até Bauru. 

Em época de festas ou feriados prolongados era quase impossível embarcar, pois os vagões já vinham lotados. Aí o jeito era achar um cantinho para se encostar e viajar de pé. Teve uma vez que fui obrigado a pular a janela para conseguir embarcar, tão grande era o número de passageiros que se aboletavam na escada do vagão. 

Chegava na estação de Bauru, retratada nesta foto, por volta das 6 da manhã, onde fazia baldeação para chegar a Penápolis às 9h20 no trem da Noroeste. Era assim a maioria das minhas viagens a Penápolis. A opção pelo trem ocorria por uma questão de economia, mas também porque nem sempre conseguia uma passagem de ônibus de última hora. 

Foi assim a minha viagem na madrugada de 30 de dezembro de 1985. Mas dessa vez não me incomodei com o desconforto de passar a noite acordado e de pé. Afinal, ia passar as festas de Ano Novo com minha afilhada e meus compadres. 

Cheguei de manhãzinha em Penápolis e fui direto para a casa da Marilda e do Gilson, nos fundos da Pizzaria Roda Viva. Não entendia por que, mas tinha verdadeira adoração pela Juliana, uma linda e travessa bebê de oito meses. Amava-a até mais que aos meus sobrinhos, embora estivesse distante 400 quilômetros e só acompanhasse seu crescimento e desenvolvimento pelas cartas de minha comadre Marilda. 

Então aquele 30 de dezembro foi especial porque pude passar o dia com minha princesinha. E também conversar bastante com minha melhor amiga e confidente que se mostrou surpresa com a notícia de que eu estava namorando uma garota em Americana. 

O Gilson trabalhava na Copebel, o depósito da Antarctica, e mesmo com a correria das vendas e entregas de bebidas do final de ano, veio almoçar conosco. Chegou trazendo uma caixa de bebidas para a festa do reveillon e logo após o almoço retornou ao trabalho. 

No final do dia, sentados no chão da sala e assistindo TV, esperávamos o Gilson para o jantar. Foi quando o Pedro Campos apareceu na porta da casa. Me cumprimentou efusivamente e, dirigindo-se à Marilda, perguntou pelo Gilson. Ela explicou que estávamos esperando que ele chegasse do trabalho para o jantar. 

"Ele tem apelido?", insistiu o Pedro. "Tem, é Palhinha", respondeu a Marilda. "Palhinha, né!", resmungou o Pedro, coçando a barba e acrescentando, de sopetão: "João, vem aqui comigo que o dr. Pentagna quer lhe conhecer". 

Achei aquilo meio esquisito, mas como o Pedro era esquisito... Ergui-me do chão e o acompanhei. Ao chegar à frente da pizzaria o Pedro sussurrou: "João, o Gilson sofreu um acidente de carro e parece que faleceu. Precisamos fazer o reconhecimento do corpo".

Mal completou a frase e foi interrompido pela Marilda que, nervosa e em prantos, questionava o que tinha acontecido com o Gilson. Sua forte intuição levou à desconfiança daquela visita fora de hora e de propósito do patrão. 

Fiquei completamente atordoado. Saí de Nova Odessa na noite anterior cheio de alegria para festejar o início de um novo ano com pessoas queridas e agora estava ali, antes de acabar o ano velho, com a missão de identificar o corpo do Gilson e sem poder ainda dizer à Marilda o que tinha acontecido. 

Deixamos a Marilda na casa da Marina e nos dirigimos à Santa Casa de Penápolis, onde o Cláudio Stevanato, gerente da Copebel, nos confirmou a trágica notícia: cinco funcionários da empresa, entre eles o Gilson, se dirigiam à matriz, na cidade de Lins, para levar a movimentação do dia quando o carro bateu frontalmente com outro veículo, na rodovia Arnaldo Covolan. 

Uma "brincadeira", um racha entre o filho de um usineiro e o filho de um pecuarista ceifou a vida de cinco jovens, deixou a Marilda viúva e a Juliana orfã, transformando em tragédia o que seria uma alegre festa de reveillon.


(Publicado originalmente no Facebook em 09/03/12)

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