terça-feira, 12 de abril de 2016

Cafezal

Sem cafezal, sem pomar, casa abandonada. Desolação total!
A colheita do café era um momento especial para toda a família. Era a hora de apurar um ano inteiro de trabalho, de oração e paciente espera pela chuva e pelo sol na hora certa para garantir uma boa florada e uma boa produção.

Mas era também um momento de partilha e de união no trabalho. Meu pai, com uma pequena varinha, derrubava os grãos dos galhos mais altos. Atrás, íamos derriçando os galhos que estavam ao alcance das mãos.

Que alegria quando um de nós encontrava um felipe! E conseguia passar o felipe para outro, à espera de um presente que nunca vinha.

Depois os irmãos mais velhos vinham com o rastelo amontoando o café derrubado no chão. Não sem antes eu e o Camilo, que éramos os menores, limparmos o tronco do pé de café para facilitar o serviço. Parte do cafezal era plantada em covas, o que implicava enfiar a mão naquele buraco para retirar os grãos ali caídos e, muitas vezes, achar um sapo. Por sorte nunca encontramos uma cobra ou outro bicho peçonhento.

Pra completar, o café era abanado na peneira e ficávamos todos chamando o vento para ajudar na retirada da terra e das folhas misturadas aos grãos. Depois da colheita vinha um longo período de secagem dos grãos no terreiro. O monte de café era espalhado com um rodo e de pouco em pouco tínhamos que mexer, revirando todo o café com o rodo. Ao final do dia, amontoar e cobrir bem com um encerado para evitar que uma chuva inesperada molhasse a colheita.

Todo ano era assim. O resultado financeiro nem sempre era o esperado, pois todos ofertavam o produto ao mesmo tempo e o preço caía. Sem contar aqueles anos em que a produção era minguada por uma geada. Só os grandes produtores, que não dependiam da venda imediata para pagar contas e sobreviver é que podiam esperar o momento melhor para entregar o café por um preço melhor.

De qualquer forma, cada colheita renovava em cada um de nós a esperança de que o próximo ano seria melhor, com mais fartura e prosperidade.

Foram essas lembranças que povoaram minha cabeça quando retornei ao “nosso” sítio, no Córrego Grande, quase 25 anos depois de ter saído de lá. Foi uma desolação muito grande ao ver que só restara a casa onde vivi intensamente minha infância. Nenhum pé de café, nenhuma mangueira, nenhuma laranjeira, nada de pomar nem da velha e imponente casa de madeira que usávamos como tulha.

Meu Deus! Tanto sacrifício, tanto trabalho, tantos sonhos, esperanças… Tudo destruído em nome de interesses econômicos mesquinhos, os mesmos que forçaram meu pai a vender o sítio em 1976 e nos empurraram para a vida na cidade.

Já não há mais cafezal. Aquele cafezal onde, nas férias de final de ano, eu passava os dias inteiros brincando de “fazendinha” com meus primos Reinaldo e Roberto, de São Bernardo do Campo. O mesmo cafezal onde, numa tarde de domingo, após fazer um arte medonha, me escondi com medo de apanhar. Entrei embaixo da saia de um pé de café e ali adormeci.

Quando deram por minha falta passaram todos a me procurar, minha mãe na maior aflição. Os amigos dos sítios vizinhos se juntaram na tarefa de me encontrar, e nada. Até que meu pai resolveu percorrer rua por rua do cafezal, junto com o Leão e o Feroz, nossos cachorros. E foram eles que, alegres, me farejaram dormindo embaixo do pé de café.

A lembrança que tenho desse dia é do meu pai me tomando no colo, bastante afetuoso, sem dizer uma só palavra, e me conduzir para casa, onde me sentou ao seu lado em um banco de madeira. Minha mãe, bastante exaltada, falava alto e expressava todo o seu desespero por aquela situação. Meu pai permaneceu calado e sereno, como aliás na maior parte de sua vida.

(Publicado originalmente no Facebook em 24/10/11)

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