A rotina começava bem cedo. Levantar, arrumar a cama, cuidar da higiene pessoal, vestir-se rapidamente... Se não me falha a memória, éramos quase 100 crianças no dormitório dos menores.
Quando todos estavam prontos, saíamos em fila para a sala de estudos, que ficava no mesmo pavimento, o terceiro andar. Ali terminávamos alguma lição do dia anterior e separávamos o material para as aulas do dia. Depois de deixar o material na sala de aula, nos dirigíamos ao enorme refeitório para o café da manhã.
No refeitório cada um tinha seu lugar fixo na mesa e os integrantes de cada mesa se alternavam, ao longo das semanas, na limpeza e organização do espaço após as refeições. Numa mesa era servido chá, na outra leite. No dia seguinte isso se invertia. Eu preferia o chá, pois não suportava a nata do leite. Então, escondido, passava a caneca a algum colega da mesa ao lado para tomar o chá.
Nas aulas tínhamos a companhia dos alunos externos. Serginho de Português (sempre mal humorado), Delarim de Ciências, Ademir de Geografia. Só me lembro desses professores. O padre Luís Leal também lecionava, mas acho que era ensino religioso. Nordestino, sempre alegre, brincava com o próprio nome cantando "Luís, respeita os oito baixos do teu pai".
O diretor era o padre José Wincler, um alemão de olhos azuis. Como todo diretor, era temido pelos alunos, apesar de sua simpatia. Entrei em sua sala uma vez, encaminhado por um professor. Estava com febre e uma infecção de garganta e chorava, não sei se por estar doente ou com medo.
Ele me acolheu com ternura e me encaminhou à enfermaria onde fiquei por uma semana. Passava o dia todo sozinho, só recebia a visita do "enfermeiro" quando vinha me trazer as refeições ou os remédios. Mas tinha uma vantagem: era o único local em que o banho era quente.
Após as aulas diárias deixávamos o material na sala de estudos seguíamos para o almoço. Arroz, feijão, carne, algum legume e salada de repolho. Essa não faltava nunca. As únicas refeições diferentes aconteciam no jantar da quinta-feira, dia de passeio, e nos domingos. Quinta-feira tinha ovo cozido e polenta acompanhando o arroz com feijão. E no domingo nossa janta era um lanche de pão com mortadela e refrigerante. Um luxo!
Mês sim mês não cada um tinha uma tarefa a ser cumprida após o almoço, para ajudar na manutenção da casa. Minha primeira tarefa foi varrer os oito lances da escada da direita, do térreo ao quarto andar. Depois veio o corredor do terceiro andar, quase cem metros de extensão. Também fiquei encarregado de fazer a limpeza do hall do quarto andar, onde se localizavam os aposentos dos padres. Nenhum dos alunos tinha acesso aos quartos e eu só conheci o hall nesse período em que fazia a limpeza. Era proibido subir ao quarto andar.
Das tarefas a que mais gostei foi cuidar da sala de TV. Como só assistíamos nas quintas-feiras antes do jantar e nos finais de semana, a limpeza só era feita nas sextas e segundas-feiras. No resto da semana, folga.
Cumpridas as tarefas vinha o estudo. Na enorme sala cada um tinha sua carteira, daquelas que abre uma tampa e o material fica guardado dentro. Chegando à sala cada um abria a tampa e retirava todo o material necessário. Depois de fechada a tampa era proibido abri-la novamente. Padre Luís ficava num tablado, em posição mais alta, observando a todos e cuidando para que esse momento fosse realmente de estudo.
Quem terminava as lições do dia podia, com permissão do padre, dirigir-se à biblioteca para emprestar um livro de leitura. Meu irmão Camilo é quem cuidava da biblioteca. Foi ali que li Ali Babá e os Quarenta Ladrões, O Conde de Monte Cristo e O Último dos Moicanos.
Lá pelas quatro da tarde tínhamos um tempo para recreação. A maioria preferia futebol. Mas minha principal diversão era a leitura de gibis, coisa rara e muito disputada.
Banho gelado em três minutos contados no relógio e marcados com palmas do Delarim, mais um pouco de estudo até a hora do jantar e mais estudo até as dez da noite. Depois disso a oração da noite e o merecido sono.
Tudo isso passou à minha frente, como um filme, a cada passo, cada parede tocada e cada ambiente visitado quando retornei ao Colégio em agosto de 2010 para ministrar um curso do Biosaúde. E o melhor de tudo: como os padres se mudaram do colégio para uma nova casa construída ao lado do campo de futebol, finalmente pude conhecer e dormir (com a Marilda Martins) nos aposentos do quarto andar.
(Publicado originalmente no Facebook em 24/11/11)
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