segunda-feira, 18 de abril de 2016

Caixeiro viajante

No sítio sempre aparecia algum caixeiro viajante. Ofereciam uma diversidade de produtos e/ou serviços. Certa vez apareceu um senhor já bem idoso se oferecendo para, com sua oração, expulsar as cobras de nossa propriedade.

Pediu antes que meu pai avisasse meus irmãos, que estavam na roça, para que não se assustassem com a "procissão" de cobras que abandonariam nossas terras. Por via das dúvidas, meu pai aceitou. Mas ninguém viu nenhuma cobra fugindo.

Essa pessoa também disse que tinha visões do futuro e que me via bem velhinho, de bengala, cuidando do meu pai já centenário. Nem meu pai chegou ao centenário nem eu fiquei velhinho, ainda.

Mas teve um caixeiro viajante que era diferente. Ele não vendia nenhum produto nem serviço. Oferecia esperança. Seu nome: José Motta, ou simplesmente padre Motta. Apareceu ali no sítio recrutando crianças e adolescentes para estudar no colégio dos padres salesianos em Araçatuba.

Para nós que estávamos a 10 quilômetros da cidade e da escola "ginasial", sem qualquer meio de transporte diário, ir para o colégio interno era a esperança de continuar os estudos. Padre Motta conversou com meus pais propondo levar meu irmão Camilo.

Minha mãe gostou da ideia, pois via ali a possibilidade de realização de seu sonho de ter um filho padre. Meu pai ponderou as dificuldades de custear os estudos de um filho num colégio interno. Mas padre Motta fez um "preço" camarada e o Camilo foi para o Colégio Salesiano Dom Luis Lasagna, em Araçatuba, no ano de 1974.

No final desse ano, padre Motta voltou ao sítio, dessa vez com a proposta de me levar também, pois eu já estava terminando a quarta série. Meu pai mais uma vez lembrou das dificuldades financeiras. Se manter um já não era fácil, imagine dois filhos no colégio interno. Padre Motta não se fez de rogado e anunciou a "promoção": como o Camilo tinha se revelado um aluno bom e dedicado e ele esperava o mesmo de mim, fazia os dois pelo preço de um.

E assim ficou combinado que eu iria participar de um cursinho de férias, de 5 a 20 de janeiro, para conhecer a rotina do colégio e ver se dava pra encarar. Acabei não indo no dia 5, pois meu avô Conrado estava enfermo e faleceu no dia 9 de janeiro. Assim meu cursinho de férias durou apenas uma semana e mesmo assim fui "aprovado".

Foi a primeira vez que fiquei longe de casa, dos pais, dos irmãos. Como demoraram aqueles dias. Alguns meninos, nesses dias, choravam muito de saudade da família.

Fiquei interno no colégio dos padres salesianos durante todo o ano de 1975. Tinha outros penapolenses lá, além de mim e o Camilo. Nesta foto aparecem o Mauro Gabriel (hoje delegado de polícia) e seu primo Mauro Cheibe. Mas também estava lá o Antonio Frontoura, que hoje mora na vila São Joaquim e que carinhosamente chamávamos de "Risadinha", pois tinha sempre um sorriso estampado no rosto.

Foi um ano difícil, a saudade de casa, a disciplina rígida, muitas privações, o convívio com dezenas de crianças que tinham as mesmas carências afetivas... Mas esse ano marcou profundamente minha vida e ajudou a moldar minha personalidade.

Depois disso nunca mais vi o padre Motta, mas sei que continuou sua missão de recrutador de aspirantes à vida religiosa salesiana até o final de seus dias, em junho de 1997.

(Publicado originalmente no Facebook em 22/11/11)

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