Quando assisti Central do Brasil de cara me identifiquei com a Dora, personagem da Fernanda Montenegro no filme. É que na minha adolescência também cumpri a tarefa de escrever cartas para pessoas que não dominavam a técnica da escrita.
Uma dessas pessoas foi o Lindolfo, que todos conheciam por Baiano, devido à sua origem. Era cozinheiro dos frades no Santuário São Francisco de Assis, em Penápolis. Aos domingos, após a missa das 8h30, aparecia na porta que dava acesso ao convento e me chamava.
Na cozinha, enquanto descascava batatas e cebolas e cuidava das panelas, ia ditando as cartas que enviaria a familiares e à namorada que deixara na Bahia. Para cativar o "escrevinhador" sempre servia uma taça de vinho e porções de queijo e azeitona. Era uma tarefa meio maçante, mas me dava prazer por ver a gratidão estampada no rosto do Baiano quando lia para ele a carta.
Lindolfo não foi o único. Minha avó materna, Francisca, foi quem mais se valeu dos meus dotes de escritor de cartas. Ela passava temporadas de dois ou três meses na casa de cada um dos filhos e depois retornava a Penápolis, onde se revezava nas casas das três filhas: minha mãe, tia Nena e tia Pina.
Quando vinha para casa sempre me pedia para escrever uma ou várias cartas. No começo eu me enrolava todo, pois tentava dar coerência e coesão ao texto, corrigindo ao escrever os erros que ela ditava. Só que no final ela sempre pedia para reler e não aceitava, pedia que reescrevesse tal como ditara.
Com o tempo fui percebendo que suas cartas tinham sempre a mesma estrutura, o mesmo começo, o mesmo meio, o mesmo fim. Fui decorando e, quando ela pedia para reler, apenas recitava o que ela queria ouvir, embora tivesse escrito tudo de forma diferente. Acho que ela nunca soube disso, tanto que continuou se valendo dos meus "serviços" por muito tempo. Mas se soubesse teria, com certeza me chamado a atenção.
Tinha personalidade forte, não deixava nunca de dizer o que pensava, mesmo sabendo que podia magoar alguém. Mas também tinha um carinho muito grande pelos filhos e netos. A família era a sua vida e sempre foi assim, como podemos comprovar nessa foto.
Ficou radiante de alegria quando nasceu meu primogênito, Francisco Martins. Achava que o nome do bisneto era uma homenagem a ela. Na verdade a escolha do nome teve outra motivação, mas nunca contestamos.
A última imagem que tenho dela foi do dia 4 de março de 1997, após o enterro de meu cunhado Jesus. Sentada numa cadeira, na varanda da frente da casa da minha mãe, em Nova Odessa, ela foi abençoando cada um dos filhos e netos que, em fila, se despediam para retornar às suas casas. Algo me dizia que era sua última despedida. E foi mesmo. Dois meses depois, aos 92 anos de idade, ela faleceu em Penápolis.
(Publicado originalmente no Facebook em 29/11/11)
Nenhum comentário:
Postar um comentário