quarta-feira, 20 de abril de 2016

Da roça para a cidade

Minha primeira foto 3x4. Tirada no Foto Luís, claro. Foi feita para ilustrar minha primeira Identidade de Beneficiário do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), em 1976, quando nos mudamos para a cidade.

Meu pai sofria bastante nessa época com os bicos de papagaio que "pousaram" em sua coluna, já não conseguia trabalhar na roça como fizera a vida toda. 

A irmã mais velha, Maria, tinha se casado no ano anterior. Joaquim, o irmão mais velho desistiu de esperar pelas fartas colheitas dos anos seguintes que nunca chegavam e foi tentar a sorte em Americana, em 1974. Eu e o Camilo, os filhos menores, estávamos estudando no Colégio interno em Araçatuba. Só a irmã do meio, a Ana, continuava em casa, ajudando nos serviços da roça.

Em 1975 meu pai tentou a última cartada para manter o pequeno sítio, sonho de uma vida inteira: convidou uma família amiga para trabalhar como meeiros. Eles moravam no sítio, na casa de madeira erguida sobre pilastras, cuidavam da roça e, ao final da colheita, dividiam a produção em duas partes iguais. Só não contava com a forte geada que arrasou o cafezal e acabou com as esperanças.

Não restou outra saída a não ser vender o sítio e engrossar as estatísticas do êxodo rural brasileiro. Sem capital nem crédito para incrementar a agricultura familiar de subsistência, não tinha como comprar implementos agrícolas nem como pagar empregados. E assim partimos para a cidade, em fevereiro de 1976.

Com o dinheiro da venda do sítio meu pai comprou na vila América uma casa e uma mercearia que pertencia ao Romeu Ambrósio. As mãos calejadas de puxar o cabo da enxada ao longo de décadas agora tentavam, com dificuldade, adaptar-se à caneta, à calculadora, às anotações nas cadernetas dos fregueses e no livro de fiado. A sábia paciência de agricultor que espera a semente brotar e crescer, tentando suportar as queixas, exigências, costumes e impertinências de muitos clientes, especialmente dos que vinham à mercearia beber cachaça.

E nós, acostumados à liberdade da roça, tentando nos conformar ao confinamento dos muros do quintal. Nem pensar em escapar para brincar ou jogar bola na rua. Minha mãe não permitia. Isso não era coisa para criança educada e de boa família como nós.

Lembro que uma das poucas brincadeiras na rua foi pegar a bicicleta velha de meu irmão Camilo (que já tinha sido do Joaquim e depois seria minha) e sair pedalando desorientado pela rua Goiás e depois descer pela rua Amazonas, pois não sabia brecar aquela geringonça. E o Camilo, bravo, correndo atrás de mim até me alcançar em frente ao Supermercado Azul. Foi a primeira vez que andei de bicicleta. E não caí!

De manhã ajudava meu pai na mercearia e à tarde ía para a escola. Na verdade minha maior ajuda era consumir os doces. Hummm... suspiro, maria mole, teta de nega, pingo de leite, paçoca, pé de moleque, triângulo de bananada e bala Sete Belo.

Naquele ano estudei na escola Marcos Trench. Dentre os professores me lembro da dona Emilia Aniceto Rossi, dona Ledna, dona Edna e da professora de música, se não me engano dona Leda. Todo mês ela pedia a cada aluno que escolhesse uma música e cantasse para a classe. Valia para nota.

Uma vez cantei a música Banda da Ilusão, do Ronnie Von. A professora gostou e me convenceu a representar a escola no festival estudantil que aconteceria na final do primeiro concurso da Rainha dos Estudantes. Incentivado pela prima Terezinha Costa, que estudava na mesma turma, me enchi de coragem e topei o desafio.

No dia, o ginásio de esportes lotado, um frio danado e eu vestido com uma velha japona azul, subi ao palco para cantar a Banda da Ilusão. Se fosse hoje, acho que teria morrido de vergonha. Mas na inocência de meus 11 anos acho que nem consegui distinguir as vaias dos poucos aplausos.

(Publicado originalmente no Facebook em 27/11/11)

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