quinta-feira, 28 de abril de 2016

Mestre Paulo Freire

Foi cursando Pedagogia na Funepe que conheci Paulo Freire, ou melhor sua obra. Pedagogia do Oprimido, De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, Ação Cultural para a Liberdade, Educação Como Prática da Liberdade, Educação e Mudança… Nesses livros aprendi a ver o mundo, a sociedade, a humanidade e a Educação com outros olhos. Os olhos dos oprimidos, da busca da libertação, da prática da liberdade, da construção da autonomia.

O contato com as ideias freireanas me abriu um novo horizonte de atuação política. Partilhando essas ideias com a Vania Paliota, o Joaoluis Santos, o Gilberto Yuji e o Antonio Carlos Carvalho, surgiu a ideia de desenvolvermos em Penápolis um trabalho de alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire.

Contamos com a assessoria do Antonio Folquito Verona, professor da Faculdade de Serviço Social de Lins, que vinha a Penápolis semanalmente para nos ajudar na fundamentação teórica do método, na formação histórico-política e na discussão de cada passo do trabalho.

Às vezes nos reuníamos na sede da JAM (Juventude de Ação Mariana), então coordenada pelo Geraldo Soares Malta, outras vezes em espaço cedido pela então assessora de cultura do prefeito João D’Elia, a Dinair Aires.

Escolhemos o Jardim Tóquio para o trabalho de alfabetização. Ali passamos cerca de três meses convivendo nos finais de semana com as famílias, a maioria de cortadores de cana, com a tarefa de levantar o universo vocabular, a primeira fase do método Paulo Freire que precede a escolha das palavras geradoras.

Uma dessas palavras era COMIDA. Na discussão das situações cotidianas relacionadas à palavra, que precedia a sua decodificação e escrita de novas palavras, a dona da casa abriu a porta do pobre armário revelando sua condição: completamente vazio. Não havia comida. Era a situação de cada família daqueles cortadores de cana, os bóias-frias como eram chamados na cidade, naquele período da entressafra da cana de açúcar. Foi um soco violento em nosso estômago.

E agora, o que fazer? As ideias vão surgindo na medida em que os trabalhadores vão tomando consciência de sua condição de sujeitos. Alguém então propõe: “poderíamos ir juntos ao supermercado do Sesi, que é da indústria, conversar com o gerente e pedir que nos venda fiado até a chegada da safra”. Fica combinado que a ida ao Sesi, onde hoje funciona o Super Amália, na vila São Joaquim, seria na manhã de sábado.

Fui para o trabalho naquele sábado com o coração apertado, uma ansiedade incontrolável, querendo estar lá no Sesi. Era balconista na Jojoca Autopeças, ali no comecinho da avenida Alayde Ferraz de Almeida, a cerca de 500 metros do supermercado, mas não teve como escapar. Só mais tarde, depois de deixar o trabalho, tomei conhecimento dos fatos lá ocorridos e que, naquela época, foram chamados de “invasão/saque do Sesi”.

Os trabalhadores e suas famílias chegaram ao Sesi junto com a Vânia, Yuji, João Luís e Antonio Carlos. As portas estavam fechadas. O grupo esperou um pouco e já começava a se dispersar quando chegou a Tropa de Choque distribuindo cacetetes nas costas de todo mundo.

Yuji, João Luís e Antonio Carlos foram presos. Vânia conseguiu fugir escondendo-se no meio do matagal, onde hoje está instalado o Parque Maria Chica. Ainda vivíamos sob a ditadura, embora agonizante. A pressão psicológica sobre os detidos foi terrível. O prefeito João D’Elia interviu, não sem antes externar sua reprimenda, classificando nossa ação como “infantilismo de esquerda”.

Por estar trabalhando naquele dia me safei de apanhar da polícia e ser preso, mas isso me deixou com uma inveja danada dos companheiros. Infantilismo ou não, o fato é que aquele fato histórico teve conseqüências, imediatas e futuras.

A primeira foi escancarar a situação de penúria vivida pelos cortadores de cana, abandonados à própria sorte e à caridade cristã nas sucessivas entressafras anuais. E dessa constatação surgiu um movimento que tentou buscar alternativas para o problema. Me recordo de uma grande assembléia realizada no Ginásio de Esportes, se não me engano no ano de 1983, com a participação de pequenos proprietários rurais, Usina Campestre, Prefeitura e sindicatos patronal e dos rurais, que propôs o empréstimo das áreas de várzea das pequenas propriedades para plantio de alimentos pelos cortadores de cana nos períodos de entressafra, com cessão de máquinas e apoio da Prefeitura. Idéia boa, mas não prosperou.

Essas lembranças rechearam de uma emoção indizível meu encontro com Paulo Freire, em 1987, numa palestra no Centro Estadual de Educação Supletiva de Americana. Como repórter do jornal O Liberal solicitei e ele gentilmente me concedeu uma entrevista. Certamente a mais importante de minha vida.

(Publicado originalmente no Facebook em 24/01/12)

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