Nosso pequeno sítio tinha pouco mais de 5 alqueires, mas era muito privilegiado. Além do Córrego Grande que, além de dar nome ao bairro, separava nossa propriedade do sítio do Manézinho, tínhamos ainda outro córrego cortando, irrigando e fertilizando nossas terras.
Era ali que meu irmão Joaquim ia às vezes, após um dia de trabalho duro, “nadar” um pouco para se refrescar. Era desse riacho que pescávamos lambaris, traíras e bagres que incrementavam nossas refeições. Mas na verdade quem mais pescava ali era o João Sorroche, que chamávamos de João Rocha, irmão do Bepe “Rocha”, nosso vizinho de sítio.
Passava as noites pescando e tomando pinga. Depois contava muitas histórias de fantasmas e assombrações que dizia ver por ali. Talvez não passassem de alucinações etílicas, mas sempre me enchiam de medo. Lembro bem de uma de suas histórias, de uma cachorrinha branca, que só ele via, correndo atrás das carroças e carros e que, segundo ele, era a alma penada da dona Joana, uma sitiante já falecida.
Nunca vi a tal cachorrinha, mas tinha muito receio de passar próximo ao cafezal da dona Joana. Por isso, quando ia para a escola, preferia “enfrentar” os 17 cachorros, a maioria vira-latas, no quintal dos Sorroche, e outros dois mais ferozes no quintal do Augusto Porte. Tudo para não passar próximo do cafezal.
Era nesse córrego que nossas duas vaquinhas e a égua saciavam a sede. E era na pinguela existente sobre esse córrego que o Leão, nosso valente cachorro, quase sempre nos derrubava na água. Bastava sairmos correndo para ir à roça que ela vinha correndo atrás, balançando seu cotó, e inventava de nos ultrapassar justamente sobre a pinguela. Foram muitos tombos na água até que meu pai substituiu a pinguela por uma ponte, na verdade uma velha carroceria de caminhão colocada sobre as duas margens.
Me lembro de ver essa “ponte” coberta de água sempre que chovia forte e o pequeno córrego se transformava um enorme rio, de mais de 10 metros de largura. Entre o córrego e o pomar tínhamos uma pequena horta, de onde saíam as verduras e legumes para nossa mesa. E no meio da horta uma mina, cuja água minha mãe considerava medicinal por ter curado uma coceira nos braços.
Logo abaixo dessa ponte da foto, que naquela época era feita com duas linhas de tubos, a água cristalina formava uma piscina rasa, coberta pela sombra das embaúbas. Voltar a essa ponte, rever esse córrego 29 anos depois, proporcionou a consciência exata de como esse pequeno curso d’água sustentou nossas vidas enquanto ali moramos.
(Publicado originalmente no Facebook em 02/11/11)
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